Paraná

A savana mais ao sul

O Cerrado se estende até a região Sul do Brasil. Nas bordas do estado do Paraná, a savana brasileira encontra e se mistura com os Campos Gerais. Bastante devastada, a vegetação do Cerrado resiste sobretudo dentro de unidades de conservação. Fora das áreas de proteção ambiental, a porção mais austral do Bioma quase sumiu.

No Paraná, o Cerrado ocupava originalmente cerca de 1% do território do estado. Atualmente, estima-se que restem apenas 0,24% da área, sendo que quase a metade está dentro de unidades de conservação. A destruição do Bioma no geral aconteceu pelos mesmos motivos que nos outros estados: pressão gerada pelo avanço do desmatamento para agricultura e ausência de políticas públicas de proteção ambiental.

Menor em extensão do que outras vegetações paranaenses, ao longo dos anos o Cerrado acabou sendo pouco considerado e valorizado. Uma pesquisa desenvolvida na Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) detectou que as populações que vivem no entorno de remanescentes de Cerrado, ao norte do estado, atribuem pouca importância ao Bioma. Entrevistando os gestores públicos dos municípios, o pesquisador Hebner Gonçalves, notou que falta preparo para elaborar políticas de conservação. Segundo a mesma pesquisa, na região muitos acham que o Cerrado que restou fora de áreas de proteção ruma para o desaparecimento.

Como ocorre em outras partes do Bioma, a interação mais recente entre os humanos e o ambiente é uma relação de exploração. No norte do Paraná, a pecuária, a agricultura e a silvicultura foram transformando as paisagens. Encarado como uma área pobre biologicamente, o Cerrado paranaense começou a ser explorado com força a partir da Revolução Verde Conjunto de iniciativas tecnológicas que transformou as práticas agrícolas visando maior produtividade, sobretudo a partir de 1960. que implementou tecnologias agrícolas capazes de alterar o solo na medida conveniente para o agronegócio.

De maneira geral, segundo Gonçalves, a supressão da vegetação não despertou atenção das autoridades públicas antes da década de 1990. Até então, o governo não fiscalizava as áreas e autorizava a conversão das paisagens de Cerrado em plantações por entender que os campos do norte do estado eram uma “área em regeneração, abandonada”.

Somente após a publicação de pesquisas acadêmicas que explicavam que as áreas ao norte do estado eram na verdade porções do Bioma savânico é que se estabeleceu entre as autoridades a compreensão de que os campos de árvores retorcidas eram Cerrado. Na sequência, para atender a convenções internacionais e tratados assinados pelo Brasil, o estado do Paraná criou dois parques para proteger os remanescentes do Bioma. Porém, segundo a pesquisa da UEPG, a fiscalização não dá conta de proteger as áreas que restam e partes do Cerrado permanecem sendo convertidos em áreas de plantio de eucalipto e grãos.

A DISPUTA PELO QUE RESTA

A principal área remanescente é o Parque Estadual do Cerrado no norte do estado que ainda abriga lobos guarás, tamanduás bandeiras e árvores características do Bioma savânico. Além do parque, a Área de Proteção Ambiental (APA) Escarpa Devoniana é outro reduto de conservação com uma paisagem marcante, que une os pinheiros dos campos gerais e os arbustos retorcidos do Cerrado. As formações rochosas da escarpa, que se transformaram em um dos cartões postais do estado, têm cerca de 400 milhões de anos de idade.

Essa região de encontro entre o Cerrado e os campos de araucárias é riquíssima em recursos naturais. Além da biodiversidade grande de espécies de plantas e animais, a área atrai interesses comerciais do setor agrário e minerador. Em 2016, foi apresentado na Assembleia do estado um projeto de lei para diminuir a área da reserva em 70%. Baseado em um estudo encomendado por cooperativas agrícolas, o texto ficou dois anos tramitando até que foi arquivado em 2018 por erros técnicos.

A proposta de diminuir a área de conservação gerou polêmica e confrontos entre grupos ruralistas e ambientalistas. Mas, apesar da retirada da proposição, a situação da área de proteção ambiental não está pacificada. De acordo com o projeto Latentes, um mapeamento dos conflitos agrários no Brasil, a APA da Escarpa Devoniana é um dos 194 pontos em que há risco de conflito socioambiental por conta da mineração no Paraná.

Rico em arenito, o solo dos entornos da escarpa é cobiçado por uma mineradora que trabalha com areia, segundo informações do portal Plural. A empresa busca autorizações para minerar a área, mas, por ora, esbarra nos empecilhos legais que regem áreas de proteção.

No Paraná agora corre uma disputa de interpretações sobre o que pode e não pode ser feito dentro de uma APA. A mineradora argumenta, através de um estudo preliminar, que as “as APAs, em sentido estrito, não devem ser vistas como unidade de conservação, mas, referencialmente, como áreas submetidas a um regime especial de gestão ambiental”. Para o pesquisador Gilson Guimarães, da Universidade Estadual de Ponta Grossa, a disputa sobre a exploração de recursos na Escarpa Devoniana merece atenção. “Porque se o órgão ambiental do estado do Paraná assumir a interpretação de que as APAs podem admitir de maneira ampla qualquer tipo de atividade de extração, teremos um prejuízo muito grande em escala local, regional e nacional”, apontou o pesquisador em entrevista ao Livre.jor.

NO PRINCÍPIO, ERA INDÍGENA

As terras antigas do Cerrado paranaense muito antes das disputas contemporâneas eram aproveitadas coletivamente pelas populações originárias. No Paraná, como no resto do Cerrado brasileiro, a ocupação humana é muito anterior à colonização ibérica da América do Sul. Há indícios de que pelo menos há 15 mil anos antes do presente grupos populacionais já habitavam as pradarias do sul do país. Como no resto do Cerrado, também a região norte do Paraná era a casa de povos indígenas do tronco linguístico Macro Jê.

Estudos apontam que os grupos Jê se deslocaram do Brasil central para o sul e foram ocupando regiões semelhantes ao local de origem, justamente áreas de Cerrado. Os povos Kaingang e Xokleng se estabeleceram no planalto paranaense e seguiram vivendo na região até sofrerem com intervenções dos colonizadores brancos. 

Ao longo dos séculos 18 e 19, grande parte das populações indígenas da região foram progressivamente sendo dizimadas, tanto por novos forasteiros que buscavam se estabelecer na área, quanto por oficiais do reino que expulsavam, matavam ou escravizavam os povos originários.

Hoje no estado resistem três etnias indígenas: Guarani, Kaingang e Xetá. A população indígena é de cerca de 13.300 pessoas, sendo que 70% faz parte da etnia Kaingang, do tronco Jê. A maioria vive nas 23 Terras Indígenas demarcadas pelo governo federal. A vida das comunidades baseia-se na utilização dos recursos naturais aliada à produção de roças de subsistência, pomares, criação de animais.

No Paraná, professores indígenas alfabetizam as crianças na língua Guarani ou Kaingang, o que tem contribuído para a valorização dos conhecimentos tradicionais e a consequente conservação da identidade cultural e modos de vida.