×

Digite o que você está procurando

Unir para resistir: atuação em rede na garantia de direitos dos povos do Cerrado

6 de novembro de 2018 - Cerrado - Thays Puzzi / Assessoria de Comunicação da Rede Cerrado

Povos e comunidades tradicionais e agricultores/as familiares do Cerrado estão reunidos em Brasília para a I Oficina de Territórios da Rede Cerrado

“Não se mata só de bala e pancada. Se mata também de fome e sede”. A fala é de Maria do Socorro Teixeira Lima, a dona Socorro, quebradeira de coco babaçu e coordenadora geral da Rede Cerrado, que se reúne em Brasília com representantes de povos e comunidades tradicionais (PCTs), agricultores/as familiares, do governo federal e de organizações da sociedade civil. O objetivo é fazer um diálogo sobre direitos territoriais.

Nesta terça-feira (06), os participantes se dedicaram ao compartilhamento das próprias realidades e à análise da atual conjuntura política do Brasil, tendo em vista as perspectivas para os próximos governos federal e estaduais.

Cláudia Regina Sala de Pinho, presidente do Conselho Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais (CNPCT), relatou os principais cenários políticos nos estados que fazem parte do Bioma Cerrado lembrando que indígenas e quilombolas, mesmo com direitos garantidos pela Constituição Federal de 1988, são alvos constantes de repressão. “Imagina aqueles povos e comunidades que nem estão previstos na Constituição?”. Para Pinho, o momento é de união, de juntar forças e esforços. “Vamos resistir à tempestade. Depois dela é que vem a abonança. A tempestade é um sinal de que precisamos nos recolher, nos unir, juntar forças e ver quais são os locais em que vamos investir a nossa energia. E um espaço para a nossa resistência é o Conselho Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais”, disse Claudia em tom de esperança.

Dona Socorro também acredita na força da união. Ela relata que a violência e a repressão, principalmente em territórios tradicionais se intensificaram, como confirmam os dados do último relatório Conflitos no Campo da Comissão Pastoral da Terra (CPT). De acordo com ele, em 2017, dos 71 assassinatos no campo – o maior número registrado desde 2003 -, 11 eram quilombolas e seis indígenas. Além disso, 25 indígenas sofreram tentativas de assassinato e 36 quilombolas receberam ameaças de morte, além de seis quebradeiras de coco, quatro camponeses de fundo e fecho de pasto, três extrativistas e um geraizeiro.

“Cada dia que passa a violência aumenta contra as pessoas e contra o meio ambiente. Você vai lá em casa e é tudo verdinho, produzido por meio da agroecologia. Mas de que adianta se tudo em volta é veneno. Se continuam contaminando as nossas fontes de água?”, salientou dona Socorro ao contar uma pequena história que ocorreu no quintal de sua casa:

“Eu estava dormindo e acordei com um barulho no fundo de minha casa. Quando fui ver, era um porco do mato, daqueles bem grandes, procurando água. O açude secou naquele ano e o bichinho estava no fundo de casa caçando água pra beber. Se os bichos estão caçando água, imagina a gente?! Com esse calor que só aumenta, com o meio ambiente secando. Como vamos escapar? Como vamos fazer para sobreviver nesta situação?”, questionou.

Mapeamento, conflitos e possibilidades de atuação

Foi com o foco em pensar alternativas que os trabalhos continuaram durante o dia. A ideia foi compartilhar experiências a partir da realidade de cada participante em busca de estratégias que visem, principalmente, a segurança física de comunidades e pessoas que são constantemente ameaçadas, na maioria das vezes por conflitos que envolvem posse de terra e demarcação de territórios.

Para isso, outra rodada de debates cujo objetivo foi mapear territórios, inclusive aqueles em situações de conflitos territoriais, e as possibilidades de atuação foi realizada. Os territórios, especialmente os tradicionais, ainda são excluídos nas estatísticas nacionais. Um motivo inicial foi a intenção de muitos segmentos de PCTs em estarem na invisibilidade, sendo esta, na época, uma estratégia de sobrevivência.

No entanto, atualmente, diversas são as ameaças enfrentadas por esses povos e comunidades, sendo necessária a aparição nos mapas do Brasil. Clebson Souza, filho de lavradores, da comunidade do Degredo, no Vale do Jequitinhonha, e técnico em Meio Ambiente do Centro de Agricultura Alternativa Vicente Nica (CAV), lembrou que muitas comunidades perderam seus territórios justamente por estarem na invisibilidade. “Nesse chapadão não mora ninguém, podemos avançar. Era o que eles diziam”, relatou.

A necessidade de fazer com que os territórios tradicionais ganhassem visibilidade surgiu em diversas articulações, especialmente, nos últimos 50 anos. De acordo com Kátia Favilla, secretária executiva da Rede Cerrado, avanços ocorreram tanto no arcabouço legal para a garantia dos direitos territoriais dos segmentos, como também na localização dos territórios.

“Foram criadas legislações como Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), Projetos de Assentamento Ambientalmente Diferenciados, sendo possível a regularização da posse coletiva e não somente a forma tradicional de reforma agrária e a individualização dos lotes”, destacou Favilla. Além disso, de acordo com ela, também ocorreram êxitos nos mapeamentos, com a inclusão no censo demográfico do IBGE de coleta de dados sobre povos indígenas, em 2010, e quilombolas, em 2020.

Plataforma de Territórios Tradicionais

Mas para que os povos e as comunidades tradicionais tenham seus direitos efetivamente garantidos é preciso avançar mais, principalmente no que se diz respeito à sistematização dos dados existentes que ainda estão muito dispersos.

Nesta perspectiva o secretário executivo da 6ª Câmara do Ministério Público Federal (MPF), Marco Paulo Fróes Schettino, apresentou uma iniciativa do MPF de construir uma plataforma de territórios tradicionais cujos objetivos foram amplamente debatidos durante a I Oficina de Construção da Plataforma de Territórios Tradicionais que também detectou possíveis riscos que a plataforma pode oferecer aos povos e as comunidades tradicionais, bem como suas respectivas medidas de segurança.

“Acredito que boas oportunidades estão se apresentando e que precisam ser aproveitadas na atual conjuntura. Importante ter articulações com os governos locais, procurar estabelecer canais em nível também estadual e articulação internacional para buscar parcerias. É o momento de produzir dados e inteligência e de abrir canais de diálogo com o setor privado”, pontuou Schettino ressaltando que a aproximação das organizações e a atuação em rede são de extrema importância.

Mapeamento dos invisibilizados do Cerrado

Essa foi a experiência apresentada pelo Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN) e pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM). O objetivo é, em uma região específica do Cerrado, mapear comunidades tradicionais, que geralmente são invisibilizadas, para apoiar a conservação do Bioma e a garantia de seus territórios, além de identificar áreas críticas e potenciais de perda da vegetação nativa. Em um levantamento preliminar na região pesquisada, 587 comunidades tradicionais já foram mapeadas, sendo 76% quilombolas e de Fundo e Fecho de Pasto. A ideia é contribuir e fazer uma interligação com a Plataforma de Territórios Tradicionais proposta pelo Ministério Público Federal.

A I Oficina de Territórios segue até essa quarta-feira, dia 7, em Brasília. A expectativa é que, ao final da atividade, se defina uma linha de atuação estratégica para a Rede Cerrado.

Reconhecimento territorial para povos do Cerrado é debatido em Brasília. Veja como foram as atividades do segundo dia da I Oficina de Territórios da Rede Cerrado

DEIXE SEU COMENTÁRIO

Leia Mais