×

Digite o que você está procurando

Reconhecimento territorial para povos do Cerrado é debatido em Brasília

7 de novembro de 2018 - Cerrado - Thays Puzzi / Assessoria de Comunicação da Rede Cerrado

O segundo dia de atividades da I Oficina de Territórios da Rede Cerrado foi dedicado aos debates sobre formas de reconhecimento territorial, uma estratégia essencial na conservação do Cerrado, seus povos e comunidades tradicionais

I Oficina de Territórios da Rede Cerrado reuniu representantes de povos e comunidades tradicionais

Historicamente, os territórios tradicionais e propriedades de pequenos agricultores e agricultoras familiares sofrem com a expansão da produção agropecuária, com a exploração de minérios e grandes obras de infraestrutura, que impactam ou mesmo expropriam esses territórios.

Nesta perspectiva, o segundo dia da I Oficina de Territórios da Rede Cerrado, que ocorreu em Brasília até a tarde desta quarta-feira (07), foi dedicado a debater como as comunidades estão se autorganizando para garantir seus territórios e como novos instrumentos de reconhecimentos, nacionais e internacionais, podem ajudar nesse processo.

TICCAs

Rafaela Nicola, da Mulheres em Ação no Pantanal (Mupan), trouxe para a roda de conversa a experiência internacional de TICCAs, ou Territórios Indígenas de conservação e áreas conservadas por comunidades locais, que ainda não é uma prática comum e nem muito conhecida no Brasil, mas que, segundo ela, “pode ser mais uma ferramenta para fortalecer o reconhecimento de comunidades tradicionais e de auxílio nos planos de gestão de territórios já reconhecidos”.

TICCAs recolocam no foco o papel das comunidades e dos povos indígenas como os principais atores na conservação e manutenção dos conhecimentos tradicionais, que são importantes ferramentas para a continuidade da vida na Terra. “É uma estreita associação entre um povo e um território, área ou conjunto de recursos naturais. Quando a associação é combinada com governança e conservação na natureza, fala-se de TICCAS ou Territórios de Vida”, destacou Nicola dizendo que há, atualmente, um processo de regionalização que busca dar mais autonomia para as organizações locais para que os processos se ajustem as realidades de cada região.

Um caso, relatado por Rafaela, retrata bem como essa forma de reconhecimento pode auxiliar na garantia de territórios tradicionais: “na Colômbia, uma comunidade se autodeclarou como TICCA e em certo momento, uma empresa chegou à região para explorar areia para a produção de vidros. A comunidade já havia se organizado, montaram uma guarda ambiental própria, vestiam camisetas com a marca TICCA e diziam que a empresa não poderia entrar ali por ser uma área reconhecida como TICCA.” Esse empoderamento da comunidade foi essencial para o recuo da empresa.

No vídeo, Rafaela explica o que são TICCAs e o que a comunidade deve fazer para se tornar uma.

Para saber mais sobre TICCAS acesse o site da Mupan, que hoje está realizando essas articulações em parceria com o Consórcio ICCA e apoio do Escritório das Nações Unidas de Serviços para Projetos (UNOPS).

Regularização de Territórios Quilombolas e Indígenas

Alguns normativos foram criados, como a própria Constituição Federal de 1988, que trata dos direitos territoriais dos Povos Indígenas e das Comunidades Quilombolas – art. 231, art. 68 da ADCT -, áreas de conservação – art. 225 -; Territórios Tradicionais – Decreto 5051/2004 e 6040/2007 -, dentre outras normativas. Entretanto, estas normas não têm sido exatamente cumpridas pelo Estado brasileiro, ou há uma enorme demora na conclusão dos processos.

Givânia Silva, da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ), explicou como se dá a regularização fundiária dos Territórios Quilombolas, garantida por meio do Decreto 4.887/2003, que regulamenta os procedimentos para reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação desses territórios.

Com relação aos Territórios Indígenas, João Guilherme, do Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN), destacou que “o contexto de letargia estatal tem deixado marcas profundas no exercício do direito ao território e ao meio ambiente conservado”. Isso porque pela Constituição Federal de 1988, “nós tínhamos um prazo de cinco anos para concluir os processos de demarcação de terras indígenas. É um dado concreto da nossa sociedade”. Segundo ele, a questão da soberania indígena caracteriza todos os processos de discussão da história do país em relação ao direito ou não de se ter um território.

Já Rodrigo Siqueira, do Departamento de Extrativismo do Ministério do Meio Ambiente (MMA), lembrou que “não se faz gestão territorial, nem conservação do território sem a garantia do território”.

Construção de Protocolos como forma de garantia de direitos

Lucely Moraes Pio, quilombola e raizeira, e Francesa Rodrigues Silva, raizeira, ambas da Articulação Pacari apresentaram a experiência de construção do Protocolo Comunitário Biocultural das Raizeiras do Cerrado: direito consuetudinário de praticar a medicina tradicional.

“Foi por meio do Protocolo que as pessoas passaram a conhecer e a respeitar o nosso trabalho com plantas medicinais, porque nele a gente explica quem são as raizeiras e como desenvolvemos o nosso trabalho”, salientou Lucely.

Os protocolos comunitários são instrumentos políticos que contêm acordos elaborados por povos e comunidades tradicionais, sobre temas relevantes aos seus modos de vida, visando a garantia de direitos. “Podem ser instrumentos considerados mais frágeis no Brasil, mas que são reconhecidos internacionalmente e que pode nos fortalecer em diálogos para fora do país”, ressaltou Kátia Favilla, secretária executiva da Rede Cerrado.

A elaboração do Protocolo Comunitário Biocultural das Raizeiras do Cerrado foi resultado de um processo iniciado em 2008, com a realização de 12 encontros regionais e dois encontros nacionais. Antes dele, a Articulação Pacari elaborou o livro “Farmacopéia Popular do Cerrado”, resultado de uma pesquisa popular sobre nove plantas prioritárias para a prática da medicina tradicional do Cerrado. O livro, de autoria de 262 raizeiras e raizeiros do Cerrado, contém conhecimentos tradicionais associados à biodiversidade.

A publicação está disponível para download gratuito no site da Articulação Pacari.

Limites e prioridades para autodemarcação

Foi o que trouxe para os debates Clebson Souza, filho de lavradores, da comunidade do Degredo, no Vale do Jequitinhonha, e técnico em Meio Ambiente do Centro de Agricultura Alternativa Vicente Nica (CAV). Para ele, é hora de “tomar consciência do lugar que se ocupa (…) é preciso resgatar a memória social das comunidades”, e aproximar as juventudes da cultura e da vida da comunidade. Essas são algumas estratégias simples que ajudam na defesa dos territórios.

Unir para resistir: atuação em rede na garantia de direitos dos povos do Cerrado. Saiba como foi o primeiro dia de atividades da I Oficina de Territórios da Rede Cerrado

DEIXE SEU COMENTÁRIO

Leia Mais