O recurso do INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) para o monitoramento do desmatamento no Cerrado acabou. Por falta de verbas, o instituto desmobilizou a equipe de pesquisadores focados no monitoramento do bioma e dados sobre o desmatamento no Cerrado serão mantidos apenas até abril deste ano.
Ainda no ano passado, organizações da Rede Cerrado fizeram um alerta sobre o caso. Sem previsão orçamentária para a continuidade do serviço, Yuri Salmona, pesquisador diretor do Instituto Cerrados, entidade associada à Rede Cerrado, reforça que o encerramento é consequência da falta de interesse do governo federal em destinar provisões existentes no orçamento que podem ser descentralizadas para manter a fiscalização do desmatamento no bioma.
” É extremamente importante manter o monitoramento do desmatamento no Cerrado. Também é necessário deixar claro que o governo optou por abrir mão desse monitoramento. E aí a pergunta que a gente faz é: quem ganha com isso? Dois milhões e meio por ano para manter o monitoramento de uma área que é um quarto do país, a savana mais biodiversa do mundo. Não monitorar o desmatamento do Cerrado é como atravessar a rua de olho fechado. Estão ignorando a possibilidade de acessar informações que podem impedir graves erros e manter questões importantes como o serviço ecossistêmicos. A sociedade está perdendo muito, e nós, do Instituto Cerrados, estamos nos preparando para colaborar e manter monitoramento de desmatamento no bioma. O Cerrado não pode esperar”, ressaltou Salmona.
O Cerrado é, atualmente, o bioma mais ameaçado pelo desmatamento no Brasil em proporção territorial, uma vez que a Amazônia tem o dobro do seu tamanho. Segundo o balanço mais recente divulgado em dezembro pelo Inpe, o desmatamento no Cerrado aumentou 7,9% entre agosto de 2020 e julho de 2021.
Somente o Matopiba, – que compreende os Estados da Bahia, do Maranhão, do Piauí e de Tocantins – bateu recorde de concentração do desmatamento no Cerrado.
Do total de vegetação suprimida no bioma entre agosto de 2020 e julho de 2021, 61,3% (5227,32 km²) esteve concentrado na região. Trata-se de um registro histórico para a série Prodes (2002–2021), superando o ano de 2017, quando a região foi responsável por 61,1% da derrubada no Cerrado.
A análise é de pesquisadores do IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), também associada à Rede Cerrado, e vem à tona na sequência da consolidação dos dados do Prodes, do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), para o mapeamento de supressão da vegetação nativa do Cerrado no período.
A área total desmatada no bioma é a maior desde 2015 e equivale a quase seis cidades de São Paulo: foram 8.523,44 km² de corte raso, um aumento de 8% em relação aos 7.905,16 km² suprimidos nos 12 meses anteriores.
“O Matopiba tem estado há anos entre as regiões do país onde a vegetação nativa tem sido mais convertida em agropecuária”, disse a diretora de Ciência no IPAM, Ane Alencar. “Essa região precisa de um olhar especial para os conflitos que têm se acirrado por conta dessa conversão. O aumento do desmatamento no Cerrado mostra que a falta de governança ambiental e os conflitos socioambientais decorrentes dela não são prerrogativas somente da Amazônia”.
Em 15 de julho de 2021, um grupo de deputados federais apresentou em conjunto requerimento de informações para o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e para o Ministério do Meio Ambiente (MMA), quanto à continuidade do monitoramento e forma de divulgação dos dados de desmatamento, degradação florestal e queimadas no bioma Cerrado. Igualmente, as organizações da sociedade civil, Instituto Cerrados, ISPN (Instituto Sociedade, População e Natureza), e o IPAM, em conjunto com as demais organizações da Rede Cerrado, apresentaram requerimento com base na Lei de Acesso à Informação, com o mesmo teor e pedido.
Na época, o MMA informou que o monitoramento seria mantido e fortalecido, mas o Ministério não informou como isso seria feito.
Isso porque é no Cerrado que estão as principais bacias hidrográficas do Brasil. Ele abriga oito das doze regiões hidrográficas brasileiras e abastece seis das oito grandes bacias hidrográficas do Brasil (Amazônica, Araguaia/Tocantins, Atlântico Norte/Nordeste, São Francisco, Atlântico Leste e Paraná/Paraguai). Além disso, é no Cerrado onde estão localizados três dos principais aquíferos do país: Bambuí, Urucuia e Guarani.
“São bacias importantes para a distribuição de água e a geração de energia para o país. O Cerrado é uma floresta invertida, ou seja, troncos curtos, mas com raízes longas e profundas, que capta a umidade gerada pela floresta Amazônica e como uma esponja absorve e abastece essas grandes bacias. Sem a vegetação nativa, essa função ecossistêmica fica gravemente comprometida”, alertou Kátia Favilla, secretária-executiva da Rede Cerrado.
O Cerrado é o segundo maior bioma do Brasil, com 198 milhões de hectares, e apresenta diferentes tipos de vegetação nativa. Como hotspot de biodiversidade, é a savana mais biodiversa do mundo e está sob elevado grau de ameaça. Quase metade já foi desmatada: 54,5% de seu território ainda é coberto por vegetação nativa, sendo que 44% encontra-se justamente no Matopiba.
Com informações do IPAM, do Instituto Cerrados e do G1
Foto: Acervo ISPN / Thomas Bauer