Obrigatório para todos os imóveis rurais do Brasil, o Cadastro Ambiental Rural (CAR) é o primeiro passo para a regularidade ambiental da propriedade, além de dar acesso a benefícios previstos no Código Florestal. O CAR é uma tentativa de integrar as informações ambientais das propriedades, territórios e posses rurais referentes às Áreas de Preservação Permanente (APP), de uso restrito, de Reserva Legal, de remanescentes de florestas e demais formas de vegetação nativa e das áreas consolidadas. A base de dados tem por objetivo o controle, monitoramento, planejamento ambiental e econômico e o combate ao desmatamento.
Povos e comunidades tradicionais, em sua maioria, com modos de vida pautados na coletividade e no uso comum, possuem modos diferentes de uso da terra. A partir dessa especificidade, foi criado em 2017 um Grupo de Trabalho no âmbito do CNPCT a fim de apresentar as demandas dos PCTs junto ao SFB. Para tanto um módulo específico foi gestado no sistema SISCAR para realizar o Cadastramento Ambiental Rural contemplando a noção de território e de modos de usos diferenciados.
O problema é que mesmo frente a um universo de 5 milhões de imóveis cadastrados, apenas 1.952 áreas rurais foram cadastradas como sendo de povos e comunidades tradicionais, o que representa 0,03% do total de cadastros.
“Faz-se imprescindível retomar os encaminhamentos de correção e implementação do Módulo CAR específico para povos e comunidades tradicionais, sob pena de deslegitimar e inviabilizar o CAR como registro confiável das informações ambientais no país”, alertou Carmo Thum, representante do Conselho Nacional dos Povos e Comunidades Tradicionais (CNPCT), membro do GT CAR PCTs que, junto com o Grupo Carta de Belém e Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB), enviaram ofício a diferentes órgãos também requerendo informações dos encaminhamentos.
Por meio do ofício, questionam também sobre continuidade do Grupo de Trabalho sobre o Cadastro Ambiental Rural para Povos e Comunidades Tradicionais (GT CAR PCTs). “Há demandas ainda não implementadas, especialmente as de migração de dados, de coleta e de princípios de análise e especialmente sobre a responsabilidade da União para com os PCTs”, completou Thum.
O GT CAR PCTs é composto por órgãos governamentais, como o Serviço Florestal Brasileiro (SFB), MMA, representantes de segmentos constituintes da sociedade civil do CNPCT, entidades como a Rede Cerrado, entre outros.
Clique aqui para ler o ofício na íntegra
Dos órgãos para os quais o ofício foi enviado – MMA, ICMBIO, Secretaria de Floresta e Desenvolvimento Sustentável, MAPA, INCRA e Banco Central -, o Serviço Florestal Brasileiro respondeu parcialmente, deixando lacunas e perguntas quanto aos encaminhamento dados pelos PCTs. O fato culminou em uma reunião entre representantes da sociedade civil do CNPCT e do MIQCB, parceiros do Grupo Carta de Belém, o Serviço Florestal Brasileiro, o Ministério Público Federal e a GIZ (agência de cooperação técnica alemã), mediada pela Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara dos Deputados. Discutiu-se, dentro outros assuntos, a obrigatoriedade da responsabilidade da União e dos Estados sobre os temas vinculados aos Povos e Comunidades Tradicionais.
As principais dificuldades apresentadas pelos povos e comunidades tradicionais com relação ao CAR foram relacionadas ao acesso à informação, melhoria da publicidade e continuidade dos processos de capacitação dos instrumentos para o cadastramento, além dos produtos contratados. “Essas dificuldades são ampliadas pois cada estado da federação tem autonomia na gestão do sistema, o que leva a ter várias formas de alimentação e de análise. Desde as OEMAs (Órgãos Estaduais de Meio Ambiente) que assumem o módulo nacional, às que customizam o modelo nacional, além das que têm sistemas próprios”, observou Carmo.
Outra dificuldade apresentada foi a falta de informação junto às comunidades e aos povos tradicionais. “Sou assentada. Minha comunidade já tem o CAR coletivo, mas uma empresa chegou lá falando que tínhamos de fazer o cadastro individual caso a gente quisesse acessar algum tipo de política pública. Eles podem fazer isso? É preciso fazer isso? Eles querem individualizar as nossas áreas. Nossas comunidades estão com grandes dificuldades em fazer o CAR coletivo”, destacou a quebradeira de coco babaçu, Francisca Maria Pereira.
Gabriela Gonçalves, analista ambiental do Serviço Floresta Brasileiro esclareceu que se a comunidade já tem o cadastro coletivo, não há necessidade do CAR individual, “pois a legislação prevê o cadastro coletivo e o recibo do CAR coletivo é suficiente para o acesso a políticas públicas”.
Centrar esforços para uma melhor comunicação entre o Serviço Florestal Brasileiro e as comunidades tradicionais e as OEMAS, bem como qualificar o acesso à informação e divulgar os produtos contratados foi uma das decisões tomadas durante a reunião. Para além disso, foi encaminhada a realização de um Seminário sobre o CAR-PCTs na Câmara dos Deputados e solicitada a inclusão desse tema na pauta da próxima reunião do CNPCT, com finalidades de apresentação dos produtos contratados e encaminhamentos de cronograma para 2020.
A próxima reunião do Conselho Nacional dos Povos e Comunidades Tradicionais está prevista para acontecer em Brasília nos próximos dias 11, 12 e 13 de dezembro.