Pela primeira vez na história, a Assembleia Legislativa de Minas Gerais elege mulheres negras. Em 2018, das 10 eleitas, três são negras. Leninha Souza, deputada estadual e presidente da Comissão de Direitos Humanos do parlamento mineiro, é uma delas. Bióloga por formação e mestre em Desenvolvimento Social, a paixão sempre foi guiada nas lutas pelos direitos de povos e comunidades tradicionais, pela agroecologia e pelo desenvolvimento rural sustentável. As pautas relacionadas à gênero, às juventudes e à Economia Popular Solidária também permearam a trajetória dela que, nos últimos 15 anos, fez parte da coordenação do Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas (CAA), entidade associada à Rede Cerrado.
Antes de assumir uma cadeira da Assembleia de Minas pelo Partido dos Trabalhadores, também compôs a diretoria da Cáritas Brasileira e representou o estado mineiro na diretoria da Articulação do Semiárido (ASA Brasil).
Uma pauta bastante ampla que sempre buscou discutir uma outra forma de desenvolvimento econômico que não fosse baseado na exploração.
No dia em que demandas e reflexões sobre a realidade da mulher no Brasil e no mundo ficam mais latentes e ganham maior visibilidade – 8 de março, Dia Internacional da Mulher -, a Rede Cerrado traz uma entrevista especial com ela que é fruto das lutas sociais do campo e da cidade.
Leninha Souza fala sobre os desafios do novo cargo e da importância do Cerrado para a conquista do tão almejado desenvolvimento sustentável.
Hoje, em Minas Gerais, existem 10 mulheres compondo a Assembleia Legislativa, um aumento desta legislatura comparada com a anterior. (Em 2014, foram eleitas 5 mulheres e 72 homens. Em 2018, 10 mulheres e 67 homens).
A novidade é que pela primeira vez na história do parlamento mineiro foram eleitas mulheres negras. E somos três!
É uma realidade que reflete não só no âmbito nacional, mas nas disputas locais, a pouca participação e presença efetiva das mulheres, muitas vezes, devido as baixas condições dadas pelos partidos, desde o financiamento de campanha, às condições dadas para as companheiras fazerem campanha eleitoral.
Há, ainda, um preconceito grande dentro da sociedade de que o nosso lugar não é na política nem no parlamento. O nosso lugar não é um espaço do poder.
Nós estamos descontruindo essa imagem. Há efetivamente poucas mulheres disputando um cargo, apesar de, há muito tempo, a legislação prever um percentual de mulheres nas chapas para concorrer às eleições. Mas a gente também vê, inclusive na última campanha eleitoral, que ainda há mulheres que se prestam ao serviço de participar de uma composição de chapa somente para ajudar candidaturas masculinas.
Eu sempre digo que o sentimento que eu trago para a Assembleia é o de continuidade das lutas que a gente trabalhou durante anos. Trazemos essa quantidade de lutas e atividades que realizamos nos últimos tempos, que vão desde processos de auto-organização, protagonismo e fortalecimento das mulheres e dos empreendimentos econômicos até a construção de políticas públicas para mulheres, além do modelo de desenvolvimento que a gente chama de bem-viver e do conviver com as diferenças, principalmente com o nosso jeito de fazer política.
Então, não basta ser só mulher, tem que ser mulher com capacidade de alterar as estruturas machistas, patriarcais e preconceituosas que existem no mundo da política.
Eu trago as pautas que sempre trabalhei e, por isso, acredito que temos legitimidade para falar delas porque nós somos pela luta do povo, pelo ambiente, pela água e pelos direitos das comunidades tradicionais. Por todos aqueles que querem um outro modelo de desenvolvimento para o Brasil e para o Cerrado brasileiro.
Isso permitiu que, com as nossas andanças pelo Cerrado e pelo Semiárido – que são os dois Biomas onde eu tenho maior inserção – trouxéssemos para a Assembleia as vozes, os lamentos e as muitas experiências positivas no campo das políticas públicas para o manejo, a conservação, o uso sustentável do Cerrado e da Caatinga. Ou seja, pautas importantes que pouco foram tratadas no Parlamento.
Na minha avaliação, o Cerrado tem importância fundamental no equilíbrio, inclusive, das águas. A gente sabe que o Cerrado como caixa d’água do Brasil e de outras bacias hidrográficas importantes, foi, ao longo dos anos, sendo discriminado pelo modelo de produção baseado no agronegócio. Durante muitos anos ele foi visto como “terra de ninguém”, uma fronteira agrícola que poderia ser derrubada e poderia dar lugar à soja e outras monoculturas. Mas os povos do Cerrado nos ensinaram ao longo dos anos quão rico é esse Bioma, tanto em plantas frutíferas quanto em oleaginosas, até em plantas medicinais.
O Cerrado tem uma riqueza ímpar no Brasil que ainda é pouco conhecida. Não tem como dissociar o Cerrado da questão da água no Brasil.
Eu sempre penso muito no rio São Francisco que nasce no Cerrado e oferta suas águas para o Semiárido. É um rio importante no contexto da sobrevivência das comunidades ribeirinhas. Temos, ainda, outros rios que alimentam as águas do Amazonas e de outras regiões do Brasil e do exterior.
Para mim, o Cerrado tem uma importância fundamental pela sua riqueza em biodiversidade, pela sua gente e pelo potencial econômico que ele traz.
O Cerrado vem sofrendo uma série de ameaças. Ao longo dos anos vem sendo derrubado para dar lugar a monocultivos. Vem sendo envenenado, expropriado e, automaticamente, da forma, a ação daqueles que só pensam a terra, mas não pensam nas florestas nem nas suas gentes. Com isso, nos últimos anos, a gente vê o Cerrado sendo colocado como lugar para a expansão agrícola.
Eu sei da luta dos povos e das organizações que atuam no Cerrado brasileiro para que este Bioma seja conhecido e, mais que isso, que ele ocupe um lugar importante que sempre mereceu.
Lutamos muitos anos pela moratória do Cerrado, assim como a da Caatinga, para tentar ao menos reduzir o grau de desmatamento, envenenamento e de destruição do Cerrado. Mas eu avalio que no projeto MATOPIBA – o maior projeto de expansão agrícola no Cerrado –, nós conseguimos que as comunidades mostrassem as contradições de um projeto em um país onde a água é escassa em muitas comunidades e incide diretamente nesse Bioma alterando completamente os ciclos das águas. Isso fez com que outras campanhas surgissem, como a Campanha Águas para Vida e outras que foram colocando a importância do Cerrado para ciclos hidrológicos do Brasil.
Antes de tudo, os povos e comunidades tradicionais devem ter autoridade sobre qualquer processo. Os povos do Cerrado são importantes, têm conhecimento de como manejar com o Bioma e, acima de tudo, eles conseguem fazer o manejo sustentável e ainda conservar.
Na minha avaliação, o que precisa ser feito é criar condições para que os povos do Cerrado desenvolvam suas atividades econômicas, ambientais e culturais nesse Bioma. Desta forma, com certeza a gente terá mais conservação.
Além disso, precisamos dar mais visibilidade. Por isso, um trabalho de comunicação para mostrar o que é o nosso Cerrado, o que ele produz, o que ele significa para outros biomas, para o Brasil e para o mundo. É fundamental fazer essa discussão, articulando, inclusive, com outras savanas no mundo para mostrar não só o nosso potencial, mas essa capacidade que a gente tem de armazenamento de água para a alimentação dos rios.
É importante que vocês conheçam o Cerrado mais que a Amazônia, que um bioma que tem repercussões nacionais e internacionais pela sua grande concentração de biodiversidade.
o Cerrado é tão rico quanto a Amazônia e, infelizmente, ele vem sofrendo um processo grande de degradação. Por isso, a luta pelo Cerrado em pé, pelos seus povos e comunidades é uma luta de todos nós.
Quem não o conhece ainda, procure conhecer a diversidade dos sabores, das cores, das plantas medicinais, da quantidade de povos que vivem nesse Bioma. Procurem investigar e acompanhar experiências positivas que temos pelo país afora e pelo Cerrado.
O Cerrado é fundamental para termos um desenvolvimento sustentável.