×

Digite o que você está procurando

Batismo de fogo: quando violações de direitos ultrapassam décadas

4 de julho de 2018 - Notícias - Thays Puzzi, Assessoria de Comunicação da Rede Cerrado

Dinâmica da Espiral do Tempo resgata trajetória de povos e comunidades tradicionais durante Seminário Nacional

12 de novembro de 1979. Quilombo Monte Alegre, São Luís Gonzaga, Maranhão. Mulheres, homens, crianças, jovens, idosos compartilham o mesmo chão e a mesma história. Foram entrando de carro e colocando fogo em tudo. Mais de 90 de casas incendiadas. O motivo? Queriam que os povos tradicionais, descendentes de negros escravizados, que viviam naquele território desde 1870 saíssem da área porque o dono a teria vendido. O episódio ficou conhecido na comunidade como o “Batismo de Fogo”.

“E foi o estado quem mandou botar fogo. O latifundiário não vinha, passava todo dia, mas não fazia nada. O pistoleiro passava todo o dia, mas não fazia nada, mas a juíza do meu município, São Luís Gonzaga, expediu uma liminar e mandou o oficial de justiça que veio até o fazendeiro que contratou o Batalhão do Livramento, maior policiamento que existia aqui para colocarem fogo nas nossas casas. A policia era do estado, a juíza era do município, o oficial de justiça era do município, o prefeito era do município, então, foi o próprio estado que fez esse massacre com a gente”, relembra Maria de Jesus Bringelo, a Dona Dijé, que recebe em seu território segmentos de povos e comunidades tradicionais para o Seminário Nacional que debate até o próximo dia 5 de julho estratégias conjuntas de enfrentamento às violações de seus direitos.

Violações que ocorriam na década de 1970, durante a Ditadura Militar, e que também ocorrem agora, 2018, em um estado dito democrático e de direitos. De acordo com o Caderno Conflitos no Campo, lançado pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), 2017 concentrou o maior número de assassinatos em conflitos no campo dos últimos 14 anos. Foram 71 assassinatos, 10 a mais que no ano anterior, quando foram registrados 61 casos (31 destes assassinatos ocorreram em 5 massacres, o que corresponde a 44% do total).

Foi nas décadas de 1970 e 1980 que os povos e comunidades começaram a se organizar para não perderem seus territórios tradicionais. As décadas seguintes, 1990 e 2000, foram marcadas pelo fortalecimento das lutas com implantação da Comissão Nacional em 2006 que, dez anos mais tarde, 2016, se tornaria o Conselho Nacional dos Povos e Comunidades Tradicionais que, até hoje, não foi empossado pelo governo federal. Ainda no mesmo período, em 2007, foi criada, por meio de decreto presidencial, a Política Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais. Avaliar a sua implementação também é um dos objetivos do Seminário que ocorrerá até esta quinta-feira, dia 5 de julho.

“O momento que a gente vive hoje, se tivermos sozinhos, nós não vamos ganhar. A luta da quebradeira de coco não é diferente da luta dos povos de terreiro, que não é diferente da luta dos caiçaras e nem das benzedeiras ou dos faxinalenses. Todas as lutas são iguais”, destacou Kátia Favilla, secretária executiva da Rede Cerrado durante a condução da Espiral do Tempo, construída em conjunto com os representantes dos povos e comunidades tradicionais presentes que relataram marcos históricos em suas trajetórias.

Participam do Seminário Nacional dos Povos e Comunidades Tradicionais Protagonistas da sua História 23 representantes do Conselho Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais, do Ministério Público federal e estadual, além de integrantes de movimentos sociais maranhenses e de outros estados.

O evento é organizado pelo Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB), entidade associada à Rede Cerrado, com o apoio da União Europeia, Fundação Ford e ActionAid.

O dia em que o quilombo voltou a ser terra de todos

DEIXE SEU COMENTÁRIO

Leia Mais