Ana, Léa, Anacleta, Lucilene e tantas outras mulheres. O que elas têm em comum? Todas, em sua relação harmônica com a natureza, herdadas em sua ancestralidade, associadas às práticas agroecológicas têm no território o meio para vivenciarem o bem viver, mesmo que para isso enfrentem vários tipos de violência: territorial, física e psicológica. A força, a sabedoria e a resistência dessas mulheres voltaram a se encontrar para se fortalecerem na luta pelos seus direitos que incluem o respeito à mulher, às suas produções agrícolas baseadas no extrativismo e diversidade de plantio, o respeito à luta de suas histórias de vida nos mais variados biomas, principalmente o Cerrado e a Amazônia maranhenses.
A chegada da vacina veio como uma fina chuva que rega a plantinha quase seca e morta. A água, que tanto renova esperança, trouxe o esperançar para essas mulheres. Elas, após quase dois anos de distanciamento, voltaram a se reunir em território de muita ancestralidade com os jovens daquela região. Em uma roda de conversa, propiciada pelo projeto “Comunicar pra Resistir no Território: Juventude na Luta pela RESEX de Tauá-Mirim” financiado pelo Fundo de Ações Urgentes para América Latina, por meio da Associação Agroecológica Tijupá, elas falaram sobre o amor pela vida que envolve semear, plantar, colher e se enraizar ainda mais nos territórios, onde muitas nasceram e outras construíram suas vidas.
Elas reafirmaram a importância de seguirem unidas, de continuarem com práticas extrativistas por meio do beneficiamento que levam à produção de polpas, geleias, azeite, bolos, biscoitos e farinha do coco de babaçu, a cultivarem verduras, frutas e legumes para comercialização em circuitos de feiras organizados por elas, de seguirem firmes na luta armadas com flores e ecoando suas vozes para o mundo, por meio das estratégias de Comunicação.
Traremos aqui posicionamentos importantes de cinco mulheres inspiradoras e presentes na luta pelo acesso livre ao território no Maranhão: Maria Máxima, em defesa da implantação da Reserva Extrativista (Resex) Tauá-Mirim; Lucilene Costa, resistência no território Cajueiro; Anacleta Pires da Silva, solidez no quilombo Santa Rosa dos Pretos mediante a duplicação da BR-135, Maria Léa Borges dos Reis, defensora da reforma agrária na região do Baixo Munim e incentivadora da Agroecologia; e Shirley Barbosa Pires, da comunidade do Rio dos Cachorros. Elas se encontraram para falar sobre a experiência de luta e resistência e como utilizam ferramentas de comunicação para fortalecer a luta.
Em tempos pandêmicos, o conflito fundiário, foi agravado pela necessidade do distanciamento social, que obrigou todas e todos a se recolherem em suas casas. Um contexto que levou ao aumento da violência ocasionada pelas práticas machistas e patriarcais perpetuadas por empresas e pelo Estado, principalmente pelo atual Governo Federal que defende a não regularização dos territórios, oportunizando mudanças de leis de terras no Brasil, favorecendo o Agronegócio.
Por outro lado, o Judiciário emperrou ainda mais o trâmite dos processos que envolvem conflitos fundiários, que incentiva a continuação de empreendimentos fraudulentos como a construção de portos e duplicação de BRs, como acontece no Cajueiro e em Santa Rosa dos Pretos. Todas essas práticas abrem caminho, de maneira muito célere, para o plantio de monocultura, mineração, grilagens, pistolagens, especulação imobiliária, envenenamento das águas e dos biomas, desmatamentos, queimadas criminosas, extermínio da fauna e da flora dos territórios.
Para a liderança quilombola Anacleta Pires da Silva, de Santa Rosa dos Pretos e presente na reunião do Cajueiro, essencial é nos comunicar sempre, pois, a visibilidade enquanto comunidades tradicionais é nossa maior defesa. Ela lembra também que existe uma rede de apoiadores que fazem “nossa voz ecoar e aumentar a nossa resistência. Estamos certos de nossos direitos, garantidos pela nossa ancestralidade, no parentesco e em tradições culturais. A nossa regularização fundiária está garantida pela nossa história, pelo espaço que ocupamos”, afirmou.
Foi o que mais uma vez, o núcleo de comunicação do quilombo fez em abril de 2020, em plena pandemia. A terra quilombola de Santa Rosa dos Pretos, a 88 quilômetros da capital São Luís, recebeu a notícia de que o Governo Federal liberou a continuação das obras de duplicação da BR-135. Imediatamente, o grupo de resistência no território lançou um vídeo manifesto (na plataforma Change.org) e já conta com o apoio de quase 60 mil pessoas. O objetivo é chegar a 75 mil assinaturas.
Cerca de 400 famílias seguem vivendo e produzindo no território ancestral de Santa Rosa. Eles lutam para manter o maior quilombo do território, com cerca de 2 mil pessoas.
Dona Lucilene Costa também estava na reunião das mulheres vítimas da violência territorial e psicológica. Em 2019, ela teve seu quintal invadido pela TUP São Luís. Era dessa área que ela tirava frutos, verduras e matéria prima para a produção artesanal. “Eles querem calar a nossa voz e querem sucumbir com nossos direitos e o nosso bem viver. São representantes da ganância e insensatez, e vêm com esse discurso vazio de geração de emprego. Seguiremos resistindo”, afirmou. Foi em 2019 que aconteceu também a violenta reintegração de posse no território com 21 casas derrubadas e atentado aos moradores pela Tropa de Choque da Polícia Militar em frente à sede do Governo do Maranhão.
O território do Cajueiro, que integra o espaço geográfico da Resex Tauá-Mirim celebra uma conquista diante de tantas batalhas. Recentemente, um grande investidor do projeto da construção do Porto São Luís desistiu de seguir com a empresa chinesa. “Nossa voz deve ecoar e aumentar a nossa resistência. Estamos certos de nossos direitos, garantidos pela nossa ancestralidade, no parentesco e em tradições culturais. A nossa regularização fundiária está garantida pela nossa história, pelo espaço que ocupamos”, afirmou.
Os serviços de terraplanagem da empresa que quer construir o porto foram iniciados em ritmo muito devagar. Desde 2014, dezenas de casas foram derrubadas (21 delas somente no aterrorizante 12 de agosto de 2019), além de provocar deslocamentos forçados das famílias, a empresa matou centenas de árvores, animais, destruiu cursos d’água, aterrou manguezais e empobreceu os moradores que vivem da pesca, da agricultura e dos frutos das árvores do Cajueiro.
“Eu acreditei! Da terra, da agricultura, do meu saber associado a orientações técnicas refiz minha vida como mulher, mãe, agricultora e lutadora dos meus direitos”. O posicionamento é de dona Maria Léa Borges dos Reis, defensora da reforma agrária na região do Baixo Munim e incentivadora da Agroecologia.
No encontro das mulheres com a Juventude, no Cajueiro, ela falou de como as práticas da Agroecologia fortaleceram o ser mulher. “Antes tínhamos vergonha de falar em público, de encarar as pessoas, dependíamos dos nossos maridos e sofríamos violências físicas e psicológicas”, disse dona Léa. O cuidado que tiveram com a terra, com as plantas também tiveram consigo mesmas. À medida que as plantas frutíferas foram crescendo, produção sendo diversificadas, as mulheres também acompanharam esse desenvolvimento.
Elas organizaram o circuito de Feiras da Reforma Agrária e Economia Solidária, após uma imersão na agricultura. Ao mesmo tempo em que promovem o aumento de renda dos produtores e produtoras locais as feiras agroecológicas, dinamizam as economias municipais, evidenciam a riqueza da biodiversidade local e possibilitam o acesso de consumidores e consumidoras à produção da agricultura familiar garantido maior segurança alimentar e nutricional (SAN) com o consumo de alimentos saudáveis, livres de agrotóxicos e transgênicos.
As mulheres estão presentes na luta pela conservação do território que compreende a Resex Tauá-Mirim. Dona Maria Máxima Pires, referência comunitária no território, e Shirley Barbosa, presidente da União de Moradores do Rio dos Cachorros, estiveram presentes na reunião, no Cajueiro.
Elas resistem frente aos grandes empreendimentos (Vale, Alumar, Porto São Luís) e são eternas guerreiras na luta pelas comunidades do Cajueiro, Limoeiro, Porto Grande, Rio dos Cachorros e Taim; engloba também parte da Vila Maranhão e a Ilha de Tauá-Mirim, na qual localizam-se os povoados Amapá, Embaubal, Jacamim, Portinho e Tauá-Mirim, e um amplo espelho d’água na Baía de São Marcos, totalizando 16.663,55 hectares e perímetro de 71,21 km.
Dona Máxima lembra de como a região era linda, com diversidade na vegetação e silenciosa. “Atualmente o barulho das máquinas tira o nosso sossego. Conhecíamos as árvores plantadas pelos nossos pais e familiares, os significados míticos de cada componente natural e da companhia dos nossos vizinhos de longa data, que não resistiram à pressão e foram embora. É uma violência intensa”, desabafou dona Máxima.
“Hoje, não vejo mais as plantações que tínhamos. As áreas onde meus avós e meus pais plantavam na nossa comunidade, não existem mais. Nós nos vemos cercados. Por cima e por baixo por empreendimentos que chegaram. Nós estamos no meio”, diz Shirley Barbosa Pires, ao falar da comunidade do Rio dos Cachorros, localizada na zona rural de São Luís do Maranhão.
Apesar do cansaço, conta ela, não pode parar de lutar pelo seu território. Ela é presidente da União dos Moradores do Rio dos Cachorros. “É o tempo todo assim, lutando pelo nosso território. Mas, não podemos parar. Eu espero que meus filhos também possam permanecer nesse lugar”, afirmou.
A Resex compreende comunidades tradicionais da zona rural de São Luís, onde agricultores familiares, e especialmente as mulheres, se utilizam dos recursos naturais e de suas plantações como fonte de renda. O modo de vida garante também a manutenção da biodiversidade. Lá vivem agricultores e agricultoras familiares, pescadores artesanais, quebradeiras de coco babaçu e marisqueiros (as) que produzem alimentos saudáveis em seus roçados, quintais, rios, igarapés, mangues e praias. A variedade de produtos também é comercializada e garante o sustento das famílias. É um local de reprodução de várias espécies marinhas, dentre elas o Peixe-Boi e o Mero, que estão ameaçados de extinção. Especificamente na região da Resex, são encontrados também o macaco-cuxiú, o guariba e o tamanduaí, todos ameaçados de extinção, segundo o Instituto Chico Mendes.