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O título global é atribuído a territórios comunitários e tradicionais conservados nos quais a comunidade tem profunda conexão com o lugar que habita, processos internos de gestão e governança e resultados positivos na conservação da natureza, assim como de bem-estar do seu povo, os chamados “territórios de vida”.
“É com muito orgulho que recebemos a notícia de que o Território Kalunga, um dos maiores do Brasil, foi reconhecido pela ONU como TICCA, como um território preservado. Isso significa que aqui ainda temos muitos frutos, muita natureza e muitas belezas conservadas. Como representante, me sinto honrado com esse reconhecimento internacional. Acredito que agora teremos mais parceiros para nos ajudar na luta pela conquista de todo o nosso território, que ainda não foi inteiramente desapropriado”, comemora o presidente da Associação Quilombo Kalunga (AQK), Jorge Moreira de Oliveira.
Com forte tradição na agricultura, o povo kalunga pratica plantio de baixo carbono e se baseia no conhecimento ancestral para plantar no ritmo da natureza, dispensando o uso de agrotóxicos. Plantam em pequenas roças, geralmente menores que 1 hectare, onde praticam a agricultura de subsistência, com a venda de excedentes. As áreas cultivadas são usadas por até 4 anos, depois descansam por 10 anos. As roças são feitas na enxada, sem o uso de máquinas. Os Kalunga também praticam extrativismo e buscam outras alternativas sustentáveis para o desenvolvimento do território.
Tornar-se TICCA é um reconhecimento global do papel do povo Kalunga na conservação da biodiversidade do Cerrado e das belezas da Chapada dos Veadeiros, no nordeste goiano. Rico em cultura, água e biodiversidade, estima-se que o quilombo Kalunga tenha sido criado a mais de 300 anos por pessoas que não aceitaram e conseguiram escapar do regime escravagista da época. O território ocupa uma área de 261 mil hectares nos municípios de Cavalcante, Teresina de Goiás e Monte Alegre, todos localizados no estado de Goiás.
“Ganhamos autonomia na gestão da nossa terra. Agora que estamos listados no mapa internacional das comunidades tradicionais como TICCA, temos esperança de nos unirmos nessa luta com outras comunidades pelo mundo”, diz Damião Moreira Santos, coordenador de projetos da Associação Quilombo Kalunga (AQK).
Além disso, a expectativa é que o título auxilie na proteção do território contra ameaças externas, pois agora os Kalunga têm em mãos uma validação das Nações Unidas que comprova a conservação no território, além de agregar ainda mais valor ao turismo de base comunitária e aos produtos dessas regiões.
A sugestão de que o Sítio Histórico e Patrimônio Cultural Kalunga (SHPCK) se enquadrava no conceito TICCA partiu da Diretora de Subvenção do Fundo de Parceria para Ecossistemas Críticos (CEPF, na sigla em inglês), Peggy Poncelet, ao longo do processo de construção do Regimento Interno da Associação Quilombo Kalunga (AQK), documento que estabelece regras claras para a gestão e uso da terra pelo povo kalunga. O CEPF tem um projeto em andamento com a AQK e nos últimos dois anos financiou diversas ações para a melhoria da gestão e o desenvolvimento sustentável no território.
A diretoria da Associação Quilombo Kalunga (AQK) se interessou pelo conceito e ao longo das assembleias comunitárias para discussão do Regimento Interno deu também início a um processo intenso de diálogos e consultas com os moradores das 39 comunidades que vivem no território sobre os desafios e vantagens de se tornarem TICCA.
“Foi um processo muito participativo. Temos uma comunidade preservada, um território de vida, mas sofremos constantes invasões. O processo de formalização TICCA tem nos ajudado a dar visibilidade internacional para nos proteger”, avalia Vilmar Kalunga.
Foram 14 grandes assembleias comunitárias e uma assembleia ampla de 3 dias para discutir e aprovar o Regimento Interno, processo que aconteceu sob a liderança de Vilmar Kalunga, então presidente da AQK, Damião Moreira dos Santos, coordenador do projeto CEPF na AQK, Durval Fernandes Motta, consultor da Associação, e Jorge Moreira de Oliveira, atual presidente da AQK.
“Nas assembleias, procuramos mostrar à comunidade a importância do trabalho que todos nós fazemos pelo mundo em relação à preservação e conservação da natureza. Nós, mesmo sem saber ou sem sermos reconhecidos, prestamos um serviço global ao meio ambiente. Durante as discussões, recuperamos nossa consciência e orgulho de como vivemos e ganhamos a vida com o meio ambiente.”, relembra Damião Moreira.
A decisão comunitária de se autoproclamar como o primeiro TICCA do Brasil ocorreu durante uma assembleia geral em fevereiro de 2020. Este foi o primeiro passo para o reconhecimento do território Kalunga como “território de vida”, ou TICCA.
Durante todo o processo, a equipe da AQK contou com o apoio ativo do Fundo de Parceria Para Ecossistemas Críticos (CEPF) e do Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB).
“Apoiamos a gestão territorial, pois percebemos que ela é bastante importante do ponto de vista da conservação. A AQK foi a fundo com o projeto. Acompanhamos as etapas de gestão territorial deles: revisão do estatuto, mapeamento de seus recursos naturais e a gestão de conflitos na comunidade”, explica Michael Becker, coordenador do CEPF Cerrado.
A AQK também contatou a Mupan (Mulheres em Ação no Pantanal), instituição que é o ponto focal da Consórcio TICCA no Brasil. Além de esclarecer dúvidas, a Mupan apoiou o processo de finalização do cadastro do SHPCK no Centro de Monitoramento da Conservação Mundial (WCMC) e criou um protocolo brasileiro para realizar o processo de revisão por pares, previsto nas exigências da ONU para conceder o título.
“A Mupan ajudou na articulação com outras instituições e na carta de avaliação. Como não havia outros TICCAs no Brasil para fazerem o reconhecimento, montamos uma comissão pela rede TICCA Brasil com lideranças de quilombos, representantes do movimento negro e a instituição Rede Cerrado, para que atestassem se o procedimento no território kalunga havia ocorrido em conformidade com os documentos enviados ao UNEP”, conta Lílian Ribeiro, coordenadora de assuntos indígenas e comunidades tradicionais do Programa Corredor Azul, Mupan. Lilian também ressalta que o título é uma ferramenta a mais para que a comunidade kalunga ganhe força na defesa do território.