×

Digite o que você está procurando

Povos e comunidades tradicionais: análise e perspectivas

6 de dezembro de 2018 - Notícias - Thays Puzzi / Assessoria de Comunicação da Rede Cerrado

Seminário reuniu conselheiros e conselheiras de povos e comunidades tradicionais em Brasília para diálogo e construção de passos futuros

“Que meus pés se mantenham no caminho sagrado”

A frase representa o sentimento de representantes de povos e comunidades (PCTs) de todo o Brasil que estão reunidos em Brasília, junto com Governo Federal e organizações da sociedade civil, entre elas a Rede Cerrado, para o ‘Seminário Povos e Comunidades Tradicionais: reconhecimento, fortalecimento e garantia de direitos a parir de seus usos e costumes’, que ocorreu nesta quarta-feira (05), em Brasília (DF).

Promovido pelo Conselho Nacional dos Povos e Comunidades Tradicionais (ConPCT), o principal objetivo do encontro é “dialogar sobre o atual contexto sociopolítico do Brasil e quais serão os próximos passos do Conselho”, disse Cláudia Sala de Pinho, presidenta do ConPCT. Duas mesas temáticas orientaram os debates durante a atividade.

A primeira, ‘Reconhecimento e Valorização à Diversidade Socioambiental e ao Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais’, trouxe o documento, a princípio, intitulado “Povos livres, território em luta – Relatório sobre direitos dos povos e comunidades tradicionais”, que será apresentado para o Conselho Nacional dos Direitos Humanos na próxima semana. O relatório, que na fase de elaboração contou com a participação da Rede Cerrado, foi apresentado por Paulo Maldos, conselheiro dos Direitos Humanos, aos participantes do seminário que poderão enviar propostas e sugestões para o fechamento do relatório.

Em um processo de visitas e escuta a comunidades tradicionais em regiões indicadas pelo ConCPT –  norte de Minas Gerais, Bahia e Pantanal -, o relatório traz, prioritariamente, recomendações à Presidência da República, a diferentes ministérios e departamentos do setor público.

“Os povos e as comunidades tradicionais ainda enfrentam desafios da invisibilidade, do reconhecimento de seus territórios e de direitos, inclusive da falta de reconhecimento da própria sociedade em relação aos PCTs. A criminalização, principalmente das lideranças, é fator recorrente. Em todos os territórios em que fomos existem ameaças de morte. Há falta de políticas públicas específicas como acesso à saúde e educação e, em muitos casos, as comunidades são hostilizadas por quererem acessar esses direitos”, destacou Maldos.

Cerrado: eucalipto e fogo

De acordo com Paulo Maldos, as agressões que mais afetam o Cerrado vêm, principalmente por parte do agronegócio com o plantio e queima de eucaliptos. “Existe uma quantidade alta de fornos para a queima de madeira, além de um verdadeiro bombardeio de veneno que vai para o solo e para o ar, contaminando todas as águas que irrigam e que são de consumo humano”. Ele relatou que foi testemunha da fumaça que está presente nas comunidades 24 horas por dia e de muitas pessoas que apresentam problemas cardíacos e respiratórios. “As pessoas são contaminadas pelo ar e pela água incessantemente e isso é muito terrível. O pior é que quando elas procuram os postos de saúde ou hospitais os médicos não fazem essa relação com a fumaça e as tratam como doentes quando, na verdade, são pessoas adoecidas. Essas empresas estão destruindo o Cerrado, os territórios e as próprias comunidades. Está sendo uma agressão letal”.

Mesmo frente a um cenário de desafios, Wilson Rocha, procurador do Ministério Público Federal (MPF), lembrou que há um acúmulo de forças e conhecimentos que enchem a trajetória de esperança. “O nosso trabalho não vai parar. Neste contexto político, o MPF assume um papel importante de relativa autonomia. Permanecemos firmes nessa luta, inclusive com a continuidade da construção da Plataforma de Territórios Tradicionais que será um instrumento fundamental para dar visibilidade a esses povos e comunidades e no fortalecimento na garantia de direitos”, ressaltou Rocha.

Na perspectiva dos direitos, Naiara Andreoli, assessora da Instituição Terra de Direitos, falou sobre o ‘Arcabouço Normativo para Povos e Comunidades Tradicionais: avanços e limitações na legislação brasileira’. Ela fez um resgate das políticas que estão em discussão no Congresso Nacional e salientou como uma vitória a aprovação, na noite dessa terça-feira, 04 de dezembro, da Política Nacional de Redução de Agrotóxicos (Pnara) por uma comissão especial. O texto segue agora para a plenária da Câmara dos Deputados.

Além disso, destacou a nota técnica do Ministério Público Federal, divulgada também nessa terça-feira, que trata sobre a constitucionalidade do Decreto n° 6.040/2007, que institui a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais, que teve sua aplicação vulnerabilizada após nota publicada pela Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) pedindo a revogação do decreto.

Clique aqui e acesse a Nota Técnica n° 06/2018-6CCR que faz referência a Constitucionalidade do Decreto n° 6.040/2007

“A união do rebanho deixa o leão dormir com fome”

O dito Bantu, matriz africana, resumiu a segunda mesa de debates cujo tema ‘A promoção dos direitos dos Povos e Comunidades Tradicionais’, motivou a fala do filósofo e professor doutor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Emir Sader. Para ele, que fez uma análise sociopolítica e econômica dos últimos anos, além de apresentar algumas perspectivas para o futuro frente ao cenário, o momento é de unir forças. De acordo com Sader, virá um período de muita luta e mobilização e “mais do que nunca precisamos estar juntos, mobilizados, gerando conhecimento”.

Isso porque, segundo ele, há um processo de desinformação da sociedade brasileira e uma das principais medidas que os movimentos e as organizações da sociedade civil devem adotar é o trabalho constante de contrainformação. “Querem invisibilizar, desqualificar esses povos na intenção de manter uma interlocução com eles. Por isso, é muito importante ter representantes de povos e comunidades tradicionais reunidos para mostrar que vocês também são sujeitos e fazem parte da nossa história”.

Por isso, Sader destacou que é fundamental estabelecer uma rede de informação “para desmistificar as mentiras que falam sobre povos e comunidades tradicionais. Não podemos deixar passar essas falas que envenenam a cabeça das pessoas. Precisamos resistir em dois planos: na garantia de direitos e na defesa da democracia. E qual é a nossa maior força? É a que somos muitíssimo mais que eles”.

“Ganharam o jogo, mas o campeonato continua. E nós temos força para vencer!”, Emir Sader.

Para Kátia Favilla, secretária-executiva da Rede Cerrado, a palavra para este momento e que remete ao início de todo processo é ousadia.

“Primeiro, foi necessária a ousadia de vocês para existirem, resistirem e reexistirem. Dona Dijé já nos deixou esta mensagem no seminário de julho em seu território. A segunda ousadia foi sair da invisibilidade, mostrar para o país que vocês existem e que mantém conservados territórios que tradicionalmente ocupam, que produzem e que são importantes. A terceira foi o governo reconhecer o movimento e criar uma política nacional específica. A quarta ousadia está em construção: mostrar que vocês continuarão existindo e que eles não estão preparados para o diálogo e que vocês estão aqui para orientá-los, para mostrar como se constroem políticas públicas com vocês e para vocês. Essa é a grande marca: ousadia!”

O Conselho Nacional dos Povos e Comunidades Tradicionais continua reunido em Brasília nos dias 06 e 07 de dezembro para reuniões de trabalho.

DEIXE SEU COMENTÁRIO

Leia Mais