Vivido por diversos povos e comunidades tradicionais do Maranhão e de outros Estados, entre os dias 22 e 24 de novembro, o território Krikati recebeu cerca de 500 pessoas para um momento de intercâmbio de experiência de lutas, saberes e resistência durante a realização do IX Encontrão da TEIA dos Povos e Comunidades Tradicionais do Maranhão.
Organizado de forma a permitir a participação horizontal de todos os presentes, a TEIA abriu – uma vez mais – seus espaços e deu voz àquelas e àqueles que têm na luta, por território e bem viver, a singularização das diferenças.
Com processo de organização iniciado, de forma coletiva, no início do mês de outubro deste 2018, as equipes de coordenação do IX Encontrão iniciaram de forma objetiva os preparos para esta edição da TEIA. As propostas de discussão foram segmentadas em cinco principais esteios, Comunicação; Gênero e Poder; Soberania Alimentar e Modos de Produção; Autoproteção e Cuidado; e Organização e Autogestão.
O extenso pátio formado pelo primeiro de três grandes círculos de casas do povo Krikati era o ponto central da aldeia São José, território escolhido para o segundo encontro da TEIA deste ano. A aldeia dista pouco mais de 20 quilômetros do município de Montes Altos, ao qual está circunscrita, e 85 quilômetros da cidade de Imperatriz.
O caminho que se lança para o pátio central leva antes ao barracão construído pelos anfitriões para receber parte das atividades do Encontrão, como as assembleias e alguns dos atos de manifestação cultural das e dos presentes. Ladeando o barracão, uma construção de cerca de cinco metros quadrados, que dá guarida aos alto falantes e ao microfone utilizados para a comunicação com toda a aldeia.
Em geral, os avisos são feitos na língua Krikati (pertencente à família linguística Jê), mas, por ocasião da TEIA, muitos dos anúncios foram feitos em português. Voltando ao barracão central, uma grande faixa anunciava o Encontrão em português e em Krikati, indicando o tema desta edição: Somos raízes e sementes nos territórios em luta!
Distribuídas organizadamente pelo barracão, as cadeiras estavam invariavelmente ocupadas por rostos atentos. As falas, de representantes dos movimentos, organizações, povos e comunidades presentes, eram realizadas no espaço ao meio, onde não havia cadeiras. Dado o número expressivo de participantes, um microfone foi utilizado a fim de comunicar a todos cada expressão que era enunciada. Dentre esses representantes, foram chamados os presentes que participavam da TEIA pela primeira vez, para que se apresentassem e expusessem as razões e objetivos de estarem ali.
Os momentos de intercâmbio não se cerceavam à programação acolhida no barracão. Desde o café da manhã à hora de dormir, pequenos grupos, de diferentes comunidades e povos, discutiam suas realidades e trocavam saberes, fossem da luta por território ou mesmo conhecimentos tradicionais.
Por se estender durante todo o dia, em meio às discussões, danças, performances e outras manifestações foram intercaladas aos momentos de fala.
“Se é pra ir a luta, eu vou!
Se é pra tá presente, eu tô!
Pois na vida da gente o que vale é o amor” (Zé Vicente)
Durante a apresentação de representantes das organizações e movimentos, Maria da Consolação Lucinda, da Revista Nuevamerica, tomou a fala e discorreu sobre o processo de resistência: “a luta é por ideias, por representação, por posicionamento”.
Ronilson Costa, da coordenação regional da CPT-Maranhão, relembrou aos presentes a importância do registro das ocorrências de violência no campo, solicitando que fossem comunicados à CPT relatos desses casos.
Formando a TEIA, integrantes de movimentos sociais, povos e comunidades como Movimento Quilombola do Maranhão (Moquibom); Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB), Comunidade Sertaneja Gostoso; Raposa; Quilombo Santa Maria/Codó; Krenyê; Gamela; Krikati; Aldeias; Krepym; Tremembé; Gavião; Canela; Grajaú; Formosa; Amarante; Matões; Parnarama; Baixada; Awa; Ka’apor; Pindaré; Brejo; Buritirama; Bom Jesus das Selvas; Vila Bela; Luís Domingues; Marajoaras; Comunidades de Pescadores; Sertanejos de Balsas e caravanas de São Luís e do Tocantins.
Somando à diversidade de falas, estiveram presentes representantes de organizações como Conselho Indigenista Missionário (CIMI); Justiça nos Trilhos; Cáritas Brasil; Cooperaxion; Núcleo de Estudos e Pesquisa em Questões Agrárias (NERA) da Universidade Federal do Maranhão (UFMA); Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras da Agricultura Familiar (Sintraf – Codó); Associação dos Catadores de materiais recicláveis de Imperatriz (Ascamari); Coordenação Nacional de Lutas (CSP Conlutas), além das já citadas, Comissão Pastoral da Terra (CPT) e Revista Nuevamerica/Novamerica.
As discussões plenárias iniciaram debates acerca do próximo Encontrão da TEIA. Foi decidido, por fim, que os encontros passarão a ocorrer uma vez por ano, e não mais duas vezes. Para a próxima edição, foi decidido que um território pesqueiro será escolhido para sediar o encontro. Foi produzida, também, a seguinte mensagem dos participantes do IX Encontrão às irmãs e aos irmãos de luta.
Além da Aldeia São José, outras seis aldeias compõem o território Krikati. Uma das lideranças mulheres, Edilena Krikati esclarece que cerca de 1200 pessoas vivem na localidade. Há duas escolas no território, de ensino fundamental e médio. Ainda segundo ela, a maioria dos professores é de origem Krikati.
Edilena explica também um pouco do histórico de reconhecimento do território, que foi demarcado no ano de 1997 e homologado no ano de 2005. Atualmente há um processo de desintrusão em curso, com o objetivo de retirar da área as pessoas não-indígenas.
Uma construção localizada atrás do barracão onde ocorreu parte das atividades da TEIA chamava atenção pela carência de paredes e pela frequente movimentação, principalmente de homens. No espaço, grandes toras de barrigudas eram entalhadas. Com cerca de 1,2 m de altura cada, parte do cerne das toras era retirado. Conforme relatos locais, a atividade era parte da preparação do ritual de luto, A corrida de toras, realizada por mulheres e por homens, por conta da morte de uma indígena que residia no local onde as toras eram entalhadas. A carência de paredes também fazia parte da preparação em processo.
O pátio central também foi local de outras atividades dos Krikati, como a corrida de vareta, uma espécie de revezamento, como na corrida com bastão, que tinha no grande círculo que circundava o pátio, a pista por onde duas equipes masculinas, e em seguida, duas femininas competiam. Flechas zuniam rumo ao alvo, em outra parte do círculo, compondo mais uma das atividades de treino realizadas no pátio. Em outro momento, a disputa pelo cabo de guerra movimentou, uma vez mais, não só os participantes, mas muitos espectadores da disputa. No sábado de Encontrão, dia 24, um casamento tradicional foi realizado, atraindo, mais uma vez, os olhos dos muitos que se encontravam na TEIA.