Entre os dias 3 e 5 de julho de 2018, quebradeiras de coco babaçu, indígenas, quilombolas, pantaneiros, seringueiros, castanheiros, entre outros representantes de populações tradicionais que formam o Brasil, se reunirão no quilombo de Monte Alegre, no município de São Luíz Gonzaga, região central do Maranhão. O objetivo é debater estratégias conjuntas de enfrentamento às violações de seus direitos, que têm se intensificado na conjuntura política e econômica atual. Participam cerca de 28 representantes do Conselho Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais, do Ministério Público federal e estadual, além de integrantes de movimentos sociais maranhenses e de outros estados.
O principal foco do encontro, intitulado “Seminário Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais Protagonistas da sua História: avaliando a Política Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais”, será a implementação da Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável de Povos e Comunidades Tradicionais (PNPCT), criada pelo governo em 2007. O evento é organizado pelo Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB), que atua no Maranhão, Pará, Piauí e Tocantins, e pela organização internacional de combate à pobreza ActionAid com apoio da União Europeia.
Os povos e comunidades tradicionais somam aproximadamente cinco milhões de brasileiros, que ocupam um quarto do território nacional, de acordo com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Lutam para conservarem seu modo de vida com respeito às tradições, ao meio ambiente e ao bem viver. Um modelo sustentável de vida ameaçado, principalmente, pela expansão desenfreada do agronegócio, que “é predatório, excludente, concentrador de terra, renda e poder”, afirmou a quebradeira de coco babaçu, líder quilombola de Monte Alegra, dona Maria de Jesus Bringelo (Dona Dijé), ameaçada de morte na região.
Dona Dijé, assim como centenas de povos e comunidades tradicionais, fazem parte de uma recente e triste estatística do Caderno de Conflitos no Campo, lançado pela Comissão Pastoral da Terra (CPT). O relatório de 2017 destaca o maior número de assassinatos em conflitos no campo dos últimos 14 anos. Foram 71 assassinatos, 10 a mais que no ano anterior, quando foram registrados 61 casos (31 destes assassinatos ocorreram em 5 massacres, o que corresponde a 44% do total).
A comunidade de Monte Alegre em São Luiz Gonzaga, no Maranhão, é palco de muita luta e resistência dos quilombolas e quebradeiras de coco babaçu. A história das famílias é marcada pela violência, pois já tiveram suas casas queimadas e derrubadas, sofreram ameaças de morte, agressões físicas e dramas marcantes como a das mulheres que tiveram de se esconder nos babaçuais com bebês recém-nascidos durante dias para evitarem o confronto com jagunços e policiais militares.
Uma história marcada por luta, resistência e também por vitórias. Da década de 70 para cá, conquistaram a certificação como território quilombola e construíram uma vida de preservação à identidade cultural e respeito com o meio ambiente. Conquista esta, porém, que sofre novas ameaças nos últimos anos com as propostas de grandes empreendimentos e do próprio governo em desrespeitar a luta coletiva dos quilombolas. Desconfiança, ameaças e medo voltaram a se instalar no quilombo. Hoje, lideranças na comunidade integram as estatísticas da CPT.
Monte Alegre está entre os casos de violência registrado no Caderno de Conflitos da CPT. As tentativas de assassinatos subiram 63% e ameaças de morte 13%. São várias pessoas ameaçadas de morte no quilombo. O Maranhão concentra mais da metade das ameaças de morte do país (116 do total de 226) e tentativas de assassinato também (65 de 120). Desse total, seis são quebradeiras de coco babaçu como Dona Dijé. Desde 2009, o Maranhão concentra o maior número de conflitos no campo do Brasil.
Uma das ferramentas de combate à violência é a implementação da Política Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais (PNPCT), que será debatida no Seminário de Povos e Comunidades Tradicionais em Monte Alegre. Criada por decreto presidencial , o objetivo da política é garantir e fortalecer os direitos dessas populações, tendo como perspectiva a valorização de suas identidades. Desde então, apenas algumas de suas ações foram concretizadas, como a criação do Plano Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar, que abrange determinados seguimentos extrativistas das populações tradicionais. Entre pontos que aguardam implementação, o principal é o eixo referente à regularização fundiária, que torna os povos e comunidades vulneráveis diante dos conflitos rurais.
O decreto que institui a política define os povos e comunidades tradicionais como “grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos por tradição”.
Estarão presentes no seminário 28 delegações representantes dessas populações, além do Ministério Público Federal, que receberá denúncias de violações em curso em todo o país.