×

Digite o que você está procurando

Consciência Negra: resistência e luta pela existência

20 de novembro de 2018 - Notícias - Thays Puzzi / Assessoria de Comunicação da Rede Cerrado

“Porque mesmo que queimem a escrita
Não queimarão a oralidade.
Mesmo que queimem os símbolos,
Não queimarão os significados.
Mesmo que queimando o nosso povo,
Não queimarão a ancestralidade.
(Nego Bispo, quilombola)

Quantos Zumbis, ainda hoje, continuam resistindo em tantos Palmares Brasil afora? Um dos maiores líderes e símbolo de resistência contra a escravidão do Brasil Colônia, Zumbi dos Palmares, morto em uma emboscada no dia 20 de novembro 1695, ainda é chama viva na história brasileira. Todos os anos, ele renasce na mesma data de sua morte trazendo a tona ao nosso país que ele ainda precisa parar para refletir, e muito, em defesa da consciência negra. Instituído em âmbito nacional por meio da Lei nº 12.519, de 10 de novembro de 2011, o Dia Nacional da Consciência Negra nos convoca à reflexão sobre a real inserção e situação das negras e dos negros na sociedade brasileira.

Quilombo não é história do passado. É presente! Atualmente, no Brasil existem mais de 3 mil comunidades quilombolas certificadas e estima-se a existência de mais de 5 mil, de acordo com a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ).

 

Quilombo de Monte Alegre, no município de São Luís Gonzaga, no Maranhão

 

Conforme a CONAQ, Quilombo tem origem em um dos idiomas banto, o quimbunco, que quer dizer: “sociedade formada por jovens guerreiros que pertenciam a grupos étnicos desenraizados de suas comunidades”. Fruto da resistência ao modelo escravagista e opressor instaurado no Brasil Colônia, as comunidades quilombolas que vivem no Cerrado e no Brasil, ainda hoje, continuam a luta pela titulação de seus territórios, preservação de sua cultura, tradições e modos de viver. Com o avanço indiscriminado e a disputa por terras para a produção de grandes commodities no Bioma – em especial da soja, do eucalipto, do gado e do algodão – a situação dessas comunidades ficou ainda mais crítica.

Seu Cassiano, quilombola de Monte Alegre

Como mostra a história do Quilombo de Monte Alegre, situado no município de São Luís Gonzaga, interior do Maranhão. O dia era 12 de novembro de 1979. Foram entrando de carro e colocando fogo em tudo. Mais de 90 casas incendiadas. O motivo? Queriam que os povos tradicionais, descendentes de negros escravizados, que vivem naquele território desde 1870 saíssem da área porque o “dono” a teria vendido. O episódio ficou conhecido na comunidade como Batismo de Fogo. “Foi um momento muito terrível. Que a gente, nascido e criado aqui, desde os nossos bisavós, não esperava. Não feriram não, mas bateram”, relembra seu Cassiano, quilombola e uma das lideranças de Monte Alegre. Até hoje a comunidade não foi reconhecida como Território Quilombola, conforme prevê o artigo 68 (ADCT), da Constituição Federal de 1988: “Aos remanescentes das Comunidades de quilombos que estejam ocupando suas terras, é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes títulos respectivos”.

Violações que ocorriam no Brasil Colônia. Ocorreram na década de 1970, durante a Ditadura Militar, e que ocorrem agora, em 2018, em um estado democrático e de direitos. De acordo com o Caderno Conflitos no Campo, lançado pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), 2017 concentrou o maior número de assassinatos em conflitos no campo dos últimos 14 anos. Foram 71 assassinatos, 10 a mais que em 2016. Dos que perderam a vida no ano passado, 11 eram quilombolas, a maioria no estado da Bahia, área que compõe o MATOPIBA (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia), considerado a última fronteira agrícola do Brasil. “Ocorre que nessas áreas nós temos dezenas de Terras Indígenas, centenas de assentamentos da reforma agrária, Territórios Quilombolas que são afetados diretamente pela constituição dessa nova fronteira para a agricultura de larga escala no Brasil”, explica a pesquisadora Mônica Nogueira, mestre em Desenvolvimento Sustentável e doutora em Antropologia.

Estima-se que no Brasil, hoje, vivam cerca de 25 milhões de pessoas que compõem o quadro dos povos originários e das comunidades tradicionais. É muita gente! Muita gente resistindo pela própria existência, pelo direito de cultivar sua cultura e seus modos de vida. Dentre as organizações que compõem a Rede Cerrado diversas têm atuação focada na ampliação, construção e implementação de um modelo de desenvolvimento que dialogue mais diretamente com os ensinamentos que, secularmente, os povos tradicionais aplicam, buscando difundir estes conceitos do bem viver, da igualdade, da conservação, da produção consciente por meio, também, da incidência em políticas públicas e da abertura para o diálogo com outros setores produtivos.

Muito se avançou no reconhecimento do Estado da existência e importância desses povos tradicionais, mas ainda é preciso dar passos largos para que este reconhecimento seja, de fato, ampliado para a efetivação de políticas públicas capazes de aliar conservação com produção, desenvolvimento com preservação cultural, geração de renda com manutenção dos povos do e no Cerrado.

A Rede Cerrado conta com o apoio do Fundo de Parceria para Ecossistemas Críticos (CEPF, na sigla em inglês Critical Ecosystem Partnership Fund) e do DGM Brasil – Mecanismo de Apoio Dedicado a Povos Indígenas, Comunidades Quilombolas e Comunidades Tradicionais do Cerrado Brasileiro. Para saber mais acesse www.redecerrado.org.br.

*Matéria produzida originalmente para a Revista Xapuri Socioambiental, edição de novembro. 

Leia Mais