Artigo: Ai’ama ipo’retsi ori o didza/Nunca me esquecerei de você
26 nov 2025
Coordenador da Rede Cerrado descreve como Braulino Caetano, morto no domingo (23), aos 79 anos, foi fundamental para seu desenvolvimento como liderança e para seu engajamento na articulação cerratense

Meu nome é Hiparidi Toptiro, nasci na Terra Indígena Sangradouro e hoje sou cacique da aldeia Idzo’uhu/Abelhinha, da primeira geração pós-contato.

Certa vez, num Encontro e Feira dos Povos em Goiânia, eu achava que era o único que defendia o Cerrado. Mas quando vi o evento, estava lá uma multidão de Comunidades Tradicionais. Por acaso sentei na mesa e conheci um senhor de chapéu, que me perguntou: “De onde você é? O que você veio fazer aqui?”

– “Meu nome é Hiparidi, nasci no Cerrado, a minha mãe fez o próprio parto”.

– “Aqui é cabra pé rachado de trabalhar na roça e cheio de calos na mão. Temos que defender o Cerrado para que todos nós possamos ganhar”, ele respondeu.

Assim foi que conheci Braulino Caetano, e ele ficará para sempre na minha memória. Ele me chamou pra conhecer a Rede Cerrado, ainda antes de a organização ser uma pessoa jurídica. Ele me chamou pra falar que também tem povos indígenas no Cerrado. E que os integrantes da articulação precisam ter relação com os povos indígenas, temos que estarmos juntos! “Por isso você tem que vir pra Rede Cerrado”, ele falou pra mim.

Com o incentivo dele eu fui conhecendo a Rede Cerrado, participando das Feiras dos Povos, até me tornar vice em sua coordenação. Ele fazia questão que eu participasse das reuniões e eventos, me apresentava como participante indígena. Cada vez ele me motivava mais pra o engajamento na Rede Cerrado. Comecei a chamá-lo de Itsiwaihu, ninguém entendia.

Hiparidi Toptiro ao lado de Braulino Caetano na II Assembleia da Mobilização dos Povos Indígenas do Cerrado. Foto: Reprodução/Associação Wãra

Viajamos juntos várias vezes, dividimos quartos. Ele me contava histórias, gostava de cantar e de tocar viola, era um compositor. Contava da família dele, falava bastante de Samuel, seu filho. Perguntava se eu tinha família, eu respondia pra ele que ainda estava construindo a família. Um certo dia fui apresentar uns jovens amigos pra ele, que precisavam se integrar no movimento, andar pelo Cerrado. Ele olhou pro meu amigo e falou: “Nossa, você parece cabra bom. Não tenho preconceito, pode usar o cabelo amarrado”. “Parece que você é um deles”, falou pro Itsitsanau’wa, meu irmão.

Os jovens junto com a gente foram aumentando. Diria que é o único cabra de comunidades tradicionais que foi pra aldeia viajando de caminhão, até a Terra Wawi. Ele olhava curiosamente a organização, as pinturas, ele respeitava, ficava quieto, comia conosco e se impressionava com os peixes do Xingu.

Numa noite de lua cheia, junto com os outros Kisedje, ele comentou comigo: “Hiparidi, você tem que aceitar ser coordenador da Rede Cerrado, vai ser bom”. Isso se fixou dentro de mim. Fui vice várias vezes das pessoas, até que assumi a coordenação geral da Rede Cerrado. Agora ele foi pra aldeia dos mortos. Nunca esquecerei deste senhor por ter me guiado e ter me ensinado em momentos críticos politicamente. Sua partida deixou um vazio dentro de mim.

Pra quem está no movimento, é preciso assumir a responsabilidade de defender o Cerrado e levar adiante as lutas dos antigos. Hoje posso dizer que consegui bastante coisas junto com as comunidades tradicionais. Nenhuma organização indígena tinha feito aliança com eles. Mas nós, da Mobilização dos Povos Indígenas do Cerrado, nos juntamos. Espero que dure para sempre. Hoje, como coordenador geral, agradeço os ensinamentos do Itsiwaihu, seu Braulino Caetano, amigo, pai e mestre.

Não vou continuar contando porque é um momento difícil. Me considero também da família. É difícil contar. Essa escrita faço em lágrimas. A história não é linear, parece confuso. Me despeço aqui de seu Braulino Caetano. Pode ser certeza que essa luta vai continuar!

* Artigo por Hiparidi Toptiro, coordenador da Rede Cerrado.