O aplicativo Tô no Mapa é agora integrado à Plataforma de Territórios Tradicionais do Conselho Nacional dos Povos e Comunidades Tradicionais junto ao MPF (Ministério Público Federal). Com a novidade, povos e comunidades, muitas vezes fora dos mapas oficiais, podem enviar informações sobre seus territórios com maior praticidade, em mais um passo para a regularização de Territórios Tradicionais no Brasil.
A parceria visibiliza a existência dos Territórios das populações tradicionais e busca subsidiar decisões judiciais, a proteção de territórios sob ameaça e a criação de políticas públicas específicas. Para contribuir com a prevenção e com a mitigação de violações a direitos humanos, a Plataforma de Territórios Tradicionais emite um certificado atestando que a comunidade é tradicional e organiza um acervo de dados georreferenciados de áreas ocupadas tradicionalmente por povos e comunidades.
“A integração visa fortalecer o mapeamento das comunidades e facilitar o acesso à Plataforma de Territórios Tradicionais. Agora, as comunidades poderão fazer parte desse banco de dados que tem como objetivo prevenir a violação de direitos e garantir os direitos territoriais”, diz a pesquisadora no Tô no Mapa e coordenadora de projetos no IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), Isabel Castro.
Em operação há um ano, o Tô no Mapa é um aplicativo de celular para o automapeamento de Territórios Tradicionais pelas pessoas que moram nas comunidades. Para tal, sempre que possível, as comunidades contam com apoio e suporte da equipe do Tô no Mapa por meio de oficinas de capacitação. Já são 91 territórios mapeados que ocupam, juntos, uma área de quase 500 mil hectares onde vivem mais de 10 mil famílias de populações tradicionais brasileiras como quilombolas, indígenas, geraizeiros, retireiros, comunidades de fundo e fecho de pasto, quebradeiras de coco babaçu, vazanteiros, ribeirinhos, extrativistas, além de agricultores familiares.
Seu Manoel Filho, griô-aprendiz e presidente da Comunidade Remanescente de Quilombo Dona Juscelina no município de Muricilândia, norte do Tocantins, cadastrou três comunidades no aplicativo: além da sua própria, também realizou o cadastramento dos quilombos Dona Domicília e Dona Eva. “Há mais de dez anos lutamos pelo nosso território, o Tô no Mapa é uma ferramenta para subsidiar a comunidade em busca de nossos propósitos”, diz. “Esse é nosso território ancestral, apesar de não o termos ainda [administrativamente]. Tudo o que for para fortalecer a comunidade é bem-vindo”.
A comunidade de Manoel já tem a Certificação da Fundação Palmares, primeira etapa para o processo de reconhecimento do quilombo, e aguarda, desde 2010, o Relatório Técnico de Identificação e Delimitação do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), fase inicial do processo de titulação do território.
Um mapa interativo com a localização e as características dessas comunidades tradicionais está disponível para acesso livre e gratuito a partir do meio-dia desta segunda, 31, data do lançamento do segundo relatório do Tô no Mapa, pelas organizações IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), ISPN (Instituto Sociedade, População e Natureza) e Rede Cerrado em parceria com o Instituto Cerrados.
“O mapa interativo visibiliza as comunidades que concordaram com a publicidade de seus dados e que participaram de todas as etapas necessárias para concluir o cadastro no Tô no Mapa. Nossa ideia é que ele esteja sempre em desenvolvimento, alinhado aos movimentos característicos da sociobiodiversidade de PCTAFs, e que também possa fortalecer as lutas das comunidades ao representá-las numa rede”, diz o assessor técnico de governança e engajamento do Tô no Mapa pelo ISPN, Bruno Tarin.
A maioria dos 91 territórios mapeados estão em Minas Gerais (23%), Mato Grosso do Sul (19%), Bahia (14%) e Goiás (14%). Também se cadastraram comunidades de Maranhão, Mato Grosso, Piauí e Tocantins. No total, são 11 segmentos de povos e comunidades tradicionais, além de agricultores familiares, com maior presença de quilombolas (37%), indigenas (19%), agricultores familiares (13%), geraizeiros (2%), retireiros (1%) e comunidades de fundo e fecho de pasto (1%).
Os principais conflitos apontados por quem vive nesses territórios são de invasões e disputas pela terra (48%), principalmente em Goiás, Maranhão e Mato Grosso do Sul. Já o conflito pela água (16%), com foco em Tocantins e Minas Gerais, foi o segundo mais informado, seguido por contaminação por agrotóxicos (13%), queimadas não controladas (12%) e garimpo (1%) – esse último com maior ocorrência em Minas Gerais.
Quanto aos tipos de uso que as comunidades fazem de seus territórios, a roça foi o mais comum (28%), seguida por criação de animais (16%), produção agroecológica (13%), conservação (10%), extrativismo (8%), pesca (3%) e turismo (3%). Também disponível no Tô no Mapa, a categoria de “outros usos” teve 19% das respostas, que citaram o uso do território por espaços sagrados, cemitérios, quadras de esportes e escolas.
“Em um universo de 91 territórios de povos e comunidades tradicionais e agricultores familiares automapeados, foram relatados 165 conflitos, sendo possível afirmar que em muitos desses territórios há mais de um conflito em curso. O conflito pela terra, posse e invasões, ainda é o mais relatado entre as situações de conflito, fruto da inexistência da ação estatal para garantir a titularidade dos Territórios Tradicionalmente Ocupados, bem como pela total paralisação da política de reforma agrária”, destaca a antropóloga e secretária-executiva da Rede Cerrado, Kátia Favilla.
De acordo com ela, é necessário ainda realizar estudos mais aprofundados e perceber que muitos desses conflitos estão ameaçando a sobrevivência dos próprios territórios, como uso indiscriminado de agrotóxicos, degradação advinda da mineração e conflitos pelo uso da água. “Este segundo relatório aprofunda a tendência percebida já no primeiro e apresenta bons indicativos para ações de garantia desses territórios para povos e comunidades tradicionais e agricultores familiares”, complementa.
Além da integração com a Plataforma de Territórios Tradicionais, o Tô no Mapa apresenta o Guia de Formalização de Territórios Tradicionais com o lançamento do segundo relatório do projeto. Elaborado pelo Instituto Cerrados em consulta com MPF, ISPN e Rede Cerrado, o documento sistematiza de forma didática o processo de formalização de pedidos para reconhecimento territorial de comunidades tradicionais.
“Há milhares de comunidades tradicionais no Cerrado, uma sociobiodiversidade para se orgulhar, conhecer e proteger. No entanto, a maioria delas não tem ainda um reconhecimento formal e lida com dificuldades diversas, entre elas, as fundiárias”, afirma o integrante do Tô no Mapa e pesquisador no Instituto Cerrados, Yuri Salmona. “O Guia de Formalização dos Territórios Tradicionais é um documento inédito que elaboramos junto dos nossos parceiros, no qual reunimos as principais orientações sobre as diferentes possibilidades e um passo a passo para a formalização desses territórios.”
Com a proposta de contribuir com o protagonismo e com as lutas das comunidades pela garantia de direitos, o guia é compartilhado com representantes de territórios já no início do cadastro no aplicativo, e agora está também disponível no site do Tô no Mapa.
O Tô no Mapa é desenvolvido em software livre e passa constantemente por melhorias na experiência de usuário, tendo em vista a segurança e a transparência do aplicativo. A participação das comunidades é necessária, inclusive, para reforçar a proteção: no momento do cadastro deve-se autorizar ou não a divulgação de dados dos territórios.
Para 2022, a iniciativa planeja novas articulações e aprimoramentos para aumentar a representatividade de comunidades no Tô no Mapa. A construção de parcerias com organizações da sociedade civil, movimentos sociais e universidades é um passo importante também para aprofundar análises de dados levantados pelo aplicativo, para gerar evidências sobre o papel das comunidades na conservação da sociobiodiversidade e para ampliar a segurança fundiária dos territórios.
O diálogo com representantes de povos, comunidades tradicionais e agricultores familiares continua sendo fundamental para que o Tô no Mapa possa seguir respeitando e refletindo seus pontos de vista.
O aplicativo Tô no Mapa foi lançado em outubro de 2020 a partir de uma lacuna percebida nos dados oficiais sobre Territórios Tradicionais no Brasil. Um levantamento realizado pelo IPAM e ISPN em parte do Matopiba, região do Cerrado que compreende os estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, mostrou que lá existem 3,5 vezes mais comunidades do que dizem os órgãos governamentais responsáveis.
Foi a partir de oficinas, pesquisas e do diálogo com as comunidades que o Tô no Mapa se tornou uma ferramenta para o automapeamento e fortalecimento do debate sobre territórios. O projeto é atualmente financiado pela CLUA (Climate and Land Use Alliance) e pela Good Energies Foundation, e tem o objetivo de construir um mapa que de fato expresse a realidade territorial de povos, comunidades tradicionais e agricultores familiares no país.
O aplicativo está disponível para Android e para iOS.