Nota: PEC do ‘marco temporal’ é inconstitucional e viola direitos indígenas
9 dez 2025
Proposta de Emenda à Constituição 48/2023 pode aprofundar a violência nos territórios ao favorecer interesses econômicos de setores do agronegócio

PEC 48/2023 tenta reescrever a Constituição em prejuízo dos direitos originários. Foto: Foto: Joédson Alves/Agência Brasil

A PEC 48/2023, de autoria do senador Hiran Gonçalves (PP-RO), busca inserir a tese do marco temporal no artigo 231 da Constituição, com o objetivo de constitucionalizar uma interpretação já declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em setembro de 2023. A proposta viola a cláusula pétrea dos direitos originários indígenas, afronta a separação de poderes e aprofunda a violência nos territórios, impulsionada por interesses econômicos sobre terras, minérios e combustíveis fósseis. 

Diante disso, a Rede Cerrado recomenda sua rejeição integral e a reafirmação da decisão do STF sobre a inconstitucionalidade do marco temporal, além do fortalecimento das medidas de proteção territorial.

Em 27 de setembro de 2023, o STF reconheceu o caráter originário dos direitos territoriais indígenas e declarou inconstitucional condicionar tais direitos à comprovação de presença física em 5 de outubro de 1988. No mesmo dia, o Congresso aprovou o PL 2903, posteriormente convertido na Lei 14.701/2023, que reincorporou elementos da tese do marco temporal, contrariando a decisão da Corte. Pouco depois, foi apresentada a PEC 48/2023, configurando uma estratégia legislativa para contornar o controle de constitucionalidade e restringir direitos fundamentais.

A PEC altera o artigo 231, núcleo de proteção dos direitos indígenas, incidindo sobre uma cláusula pétrea e rompendo o equilíbrio entre os poderes da República. A iniciativa representa reação política a uma decisão judicial legítima, ultrapassando os limites materiais de reforma da Constituição. Sua tramitação acelerada na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado demonstra esforço organizado para reverter judicialmente o reconhecimento dos direitos originários.

O avanço da proposta se articula a interesses de setores do agronegócio e da exploração de recursos naturais em terras indígenas, agravando pressões e violências territoriais, especialmente na Amazônia e em áreas de fronteira. Nesses locais, o garimpo ilegal, as invasões e os ataques contra comunidades têm se intensificado. Ao condicionar direitos originários a um marco temporal artificial, a PEC viola o princípio da vedação ao retrocesso e a máxima efetividade do art. 231, além de descumprir compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, como a Convenção 169 da OIT e a Declaração da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas.

Na prática, a aprovação da PEC abriria caminho para rever ou negar demarcações já concluídas, fortalecer narrativas que tratam direitos indígenas como obstáculos econômicos e legitimar novas invasões. Povos em retomadas, terras não demarcadas e comunidades em isolamento voluntário se tornariam ainda mais vulneráveis.

A Rede Cerrado recomenda:

  1. Rejeição total da PEC 48/2023.
  2. Mobilização parlamentar e social para obstruir a tramitação e garantir amplo debate público.
  3. Adoção de medidas pelo STF para suspender os efeitos da Lei 14.701/2023, dada sua incompatibilidade com a decisão da Corte.
  4. Reforço das ações de proteção territorial e das lideranças ameaçadas.
  5. Apoio à mobilização dos povos indígenas e garantia de sua participação plena nos processos legislativos e judiciais.

A PEC 48/2023 tenta reescrever a Constituição em prejuízo dos direitos originários. Ao buscar constitucionalizar o marco temporal, a proposta legitima retrocessos e submete a Carta de 1988 a interesses conjunturais. Defender o “marco ancestral” — o reconhecimento de que os povos indígenas sempre estiveram aqui — é defender o pacto constitucional e a dignidade dos povos originários.