Organização leva a voz dos povos para Belém (PA) por visibilidade, proteção territorial e acesso direto ao financiamento climático
A Rede Cerrado chega a Belém (PA) com um propósito: garantir que os povos, os saberes, os sabores e as lutas do Cerrado estejam no centro das discussões globais sobre a crise climática durante a COP30.
O Cerrado ocupa cerca de um quarto do território brasileiro e abriga as nascentes de oito das doze principais bacias hidrográficas do país. Por pulsar a água que alimenta outros biomas, é conhecido como o coração das águas do Brasil. No entanto, apesar de sua importância vital, o Cerrado segue sendo tratado historicamente como um bioma de sacrifício. É nele que avança a fronteira agrícola do Matopiba, impulsionada pelo desmatamento e pelo monocultivo em larga escala. O resultado é preocupante: os rios cerratenses apresentam hoje 27% menos volume de água em comparação à década de 1970.
Em meio a esse cenário, os povos do Cerrado — indígenas, quilombolas, comunidades tradicionais e agricultores familiares — mostram que há caminhos possíveis para reverter a destruição. Por meio da conservação pelo uso, mantêm viva a sociobiodiversidade, transformando-a em alimento, artesanato e geração de renda. Assim, garantem a permanência nos territórios e a continuidade de suas culturas e modos de vida.
Colocar o Cerrado no centro do debate climático global é defender um modo de vida comunitário, sustentável e baseado na partilha com a natureza.
Para Hiparidi Top’tiro, coordenador da Rede Cerrado e integrante do Movimento das Organizações e Povos Indígenas do Cerrado (MOPIC), a visibilidade do bioma e de seus povos é fundamental.
“O Cerrado é composto por muita gente. Os povos do Cerrado precisam ter visibilidade. Sem o Cerrado, não há água, não há vida. A minha expectativa é que o mundo leve adiante a mensagem sobre o Cerrado — nossos desafios, nossas riquezas medicinais, nossa biodiversidade. Precisamos mostrar que não é só a Amazônia que importa. Se o Cerrado acabar, acaba também a água e o equilíbrio do clima”, afirma.
No país-sede da COP30, o Cerrado não pode ficar fora da pauta climática. A Rede Cerrado defende que os instrumentos legais existentes — como reservas extrativistas, assentamentos ambientalmente diferenciados e reservas de desenvolvimento sustentável — ainda são insuficientes para garantir segurança jurídica e o direito ao território. A titulação de terras é apontada como uma medida urgente para assegurar a proteção dos povos e a efetiva conservação do bioma.
De acordo com Jaime Siqueira, coordenador executivo do Centro de Trabalho Indigenista (CTI), organização que é uma das fundadores da Rede Cerrado, é essencial ampliar o olhar sobre os biomas brasileiros nas discussões internacionais.
“A maior parte da cobertura de imprensa fala apenas da Amazônia, o que já era esperado. Mas precisamos chamar atenção para outros biomas, especialmente o Cerrado. Garantir os territórios, regularizar e reconhecer as terras indígenas e quilombolas e criar novas unidades de conservação são estratégias fundamentais para conter o desmatamento e preservar as águas que nascem aqui”, explica.
Siqueira também alerta para a contaminação crescente das águas pelo uso intensivo de agrotóxicos. O relatório “Vivendo em territórios contaminados: um dossiê sobre agrotóxicos nas águas do Cerrado”, da Campanha Nacional em Defesa do Cerrado, Comissão Pastoral da Terra (CPT) e Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), aponta que o bioma recebe em média 600 milhões de litros de agrotóxico por ano.
“Temos recebido muitos relatos de comunidades sobre o uso de drones que espalham veneno, contaminando rios, aldeias e áreas de produção. É um tema que precisa voltar à pauta nacional”, destaca.
A Rede Cerrado atua na COP30 e em espaços paralelos como a Cúpula dos Povos e a COP do Povo, reafirmando o papel essencial do Cerrado na proteção do clima e da vida no planeta. A rede defende que o financiamento climático internacional chegue diretamente às comunidades e territórios, reconhecendo que quem vive e protege o Cerrado há gerações é também quem mais contribui para o equilíbrio climático global.
“Grandes guerreiros e defensores do clima são habitantes do Cerrado”, resume Hiparidi. “Nossa luta é mostrar isso ao mundo. E garantir que o Cerrado seja, de fato, pauta de governo e de futuro.”
Acompanhe as ações da Rede Cerrado na COP30, na Cúpula dos Povos e em eventos paralelos, e junte-se à mobilização em defesa do bioma, dos povos e da sociobiodiversidade do Cerrado.




