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Território, autodeterminação e agroecologia resumem o desejo dos povos tradicionais do Cerrado

8 de junho de 2014 - Notícias - Rede Cerrado

Lista sintetiza extensa pauta para enfrentar as pressões do agronegócio, da mineração e do próprio governo.

Os povos e comunidades tradicionais do Cerrado encerraram neste domingo em Brasília um encontro que desde o dia 5 de junho reuniu cerca de 700 líderes representantes dessas populações. Ao final do evento, eles aprovaram uma pauta curta e incisiva com três pontos básicos: acesso à terra e aos territórios, reconhecimento e valorização dos seus modos de vida, usos e costumes e a opção pela produção agroecológica em suas áreas. A lista é o resultado de intensas discussões e manifestações ocorridas durante o encontro. Especialistas, representantes do governo e do Ministério Público também participaram dos debates.

Ao clamar pelo direito à terra e ao território, os povos do Cerrado querem na prática que o governo garanta legalmente a eles o direito de usar os recursos naturais do bioma. Indígenas e quilombolas já gozam desse reconhecimento e têm parte de seus territórios demarcados. A situação não é a mesma para quebradeiras de coco, geraizeiros, raizeiros, vazanteiros, extrativistas, pescadores artesanais, apanhadoras de flores e agricultores familiares.

Eles sequer estão mapeados pelo governo e essa invisibilidade no radar social fez que o Estado abrisse espaço para o agronegócio, a mineração e a grilagem de terras públicas – historicamente ocupadas pelos tradicionais. Além de entrar para o mapa, esses povos querem a autonomia para definir sua própria cartografia, sendo parte da formulação do mapeamento.

Os povos do Cerrado também decidiram se unir contra as emendas constitucionais, portarias e regulamentações que ameaçam o direito aos territórios (PEC 215; ADIN 3.239-9). São estratégias que vêm de setores produtivos que, encampados pelo Estado, investem contra formas já estabelecidas de reconhecimento oficial de suas terras.

“Ao mesmo tempo, queremos a valorização dos nossos modos de vida, usos, costumes, saberes, que são a nossa característica”, disse a representante da comunidade quilombola de Mumbuca, no Jalapão (TO), que leu a carta com as reivindicações do grupo ao final do evento. Ela citou o exemplo da Convenção 169 da OIT, que trata dos direitos de autodeterminação de povos indígenas e tribais, e o Decreto 6.040, que institui a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável de Povos e Comunidades Tradicionais. “Não aceitaremos nenhuma afronta aos nossos direitos”, garantiu.

Produção – Intimamente ligadas à terra e aos recursos naturais, as populações tradicionais do Cerrado também entendem que a agroecologia é o modo de produção agrícola que melhor atende às necessidades de aproveitamento econômico e de conservação do bioma. É uma oposição ao modelo degradador do agronegócio no país. Nas últimas décadas, esse modelo, aliado ao projeto de desenvolvimento que prevalece desde os governos militares já forjou a destruição de cerca de 50% das áreas nativas do Cerrado.

A degradação atinge os estados de Goiás, Tocantins, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Bahia, Maranhão, Piauí, Rondônia, Paraná, São Paulo e Distrito Federal, além dos encraves no Amapá, Roraima e Amazonas, em que está a paisagem típica do bioma. Neste espaço territorial estão as nascentes das três maiores bacias hidrográficas da América do Sul (Amazônica-Tocantins, São Francisco e Prata). Isso representa um elevado potencial aquífero e favorece a biodiversidade, uma das maiores do planeta.

Carta de Aliança dos Povos do Cerrado

Nós, Povos do Cerrado, somos os que sempre estiveram aqui. Somos também os que chegando depois, criaram raízes profundas nessa terra. Somos o encontro entre culturas, que deu origem a novos e diferentes modos de vida. Somos aqueles que, organizados, lutamos por esta terra e para nela permanecer. Somos aqueles que por gerações aprenderam os mistérios do Cerrado, em campos, veredas e florestas, seus ciclos, sua força criadora, mas também os seus limites. Somos os que dessa terra extraem o alimento saudável e a cura. Somos aqueles que, como o próprio Cerrado, resistem à opressão e à exploração gananciosa dos que acumulam, degradam e excluem.

Somos povos indígenas, quilombolas, quebradeiras de coco, geraizeiros, raizeiras e raizeiros, vazanteiros, fecho de pasto, extrativistas, pescadores artesanais, apanhadoras de flores, agricultores familiares e trabalhadores rurais.

Juntos, durante o VIII Encontro e Feiras dos Povos do Cerrado, reafirmamos entre nós uma aliança de solidariedade e de luta por nossas causas comuns:

1. O direito à terra e ao território, como espaço de vida e condição fundamental para a conservação da biodiversidade, das águas e de nossas culturas, repudiando, assim todas as emendas constitucionais, portarias, e regulamentações que possam ameaçar esse direito, a exemplo da PEC 215 e da ADIN 3.239-9, que investem contra as formas já estabelecidas pelo Estado brasileiro de reconhecimento formal de terras indígenas e terras de quilombos.

2. O reconhecimento e valorização dos nossos modos de vida, usos e costumes, saberes e fazeres, construindo e fortalecendo os instrumentos legais e políticos para tanto, a exemplo da Convenção 169 da OIT, que trata dos direitos de autodeterminação de povos indígenas e tribais, e o Decreto 6.040, que institui a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável de Povos e Comunidades Tradicionais.

3. O fortalecimento de nossa opção pela agroecologia, como prática e princípio integrador entre natureza e cultura, em oposição ao modelo degradador do agronegócio e à mercantilização da vida.

Trabalharemos, unidos na luta e fortalecidos na união, para defender o Cerrado, suas águas e sua gente.

Viva o Cerrado, viva os Povos do Cerrado!

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