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Seminário debate propostas para conservação do Cerrado

7 de junho de 2018 - Cerrado - Thays Puzzi (Rede Cerrado) e Méle Dornelas (ISPN)

O direito das populações tradicionais e da agricultura familiar, esquecido nos programas de governo, foi um dos eixos do Seminário e da carta política com estratégias para salvar o bioma.

“É o povo que trabalha para conservação ambiental, no nosso caso, do Cerrado, mas somos esquecidos, não existem políticas para nós.” A liderança indígena, Jonas Gavião, veio do Maranhão para o Seminário Estratégia Nacional para o Cerrado, realizado no Dia Mundial do Meio Ambiente, 05 de junho, na Câmara dos Deputados. O evento, que foi aberto ao público, indicou rumos para pautar o Cerrado no próximo Governo Federal. Como desdobramento, no dia 6, em Brasília, representantes de organizações da sociedade civil e de povos e comunidades tradicionais se reuniram para pensarem coletivamente uma carta com recomendações políticas para o bioma.

Os debates iniciados na Câmara contaram com pesquisadores, parlamentares, representantes de povos e comunidades tradicionais, do governo, de organizações da sociedade civil e articulações em defesa da sociobiodiversidade do bioma, como a Rede Cerrado, que estava representada pela equipe da secretaria executiva e das organizações: Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN), Rosa e Sertão, Funatura, Instituto Socioambiental (ISA), WWF-Brasil, Pequi, Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB), Movimento Interestadual de Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB) e 10Envolvimento.

“Precisamos manter cerca da metade do Cerrado em pé. Isto só é possível por meio de amplas paisagens produtivas sustentáveis com presença humana. São os povos, as comunidades tradicionais e os agricultores familiares que vivem em harmonia com a natureza, para o bem deles e de todos nós, mantendo as funções ecológicas,” pontuou o assessor sênior do ISPN, Donald Sawyer, durante a mesa de abertura do Seminário.

O Cerrado vem passando por intensos processos de desmatamento devido, principalmente, à especulação imobiliária, produção agropecuária em grande escala e pelos grandes projetos minerais e energéticos. Segundo o Ministério do Meio Ambiente, atualmente, nove mil km2 de Cerrado são desmatados por ano, o que é o dobro da taxa de desmatamento da Amazônia. Essa devastação tem impactos diretos no clima e na escassez de água no Brasil. Para André Lima, advogado e coordenador do Seminário, a questão principal é conciliar produção com conservação. “Como produzir conservando mais?”.

Méle Dornelas / ISPN

Uma das respostas, para o professor do Departamento de Ecologia da Universidade de Brasília (UnB), Braúlio Dias, está no diálogo com vários setores, inclusive, com os povos e comunidades tradicionais e as famílias agricultoras, alinhado ainda com a valorização e proteção de seus territórios. “É preciso uma visão conjunta dessas estratégias para proteção. Precisamos trabalhar melhor o potencial dos territórios tradicionais e faltam instrumentos de diálogos. É preciso criar instrumentos de diálogos legítimos e equilibrados com os diferentes setores que querem avançar.”

No entanto, ainda há entraves para serem resolvidos para que os avanços socioambientais ocorram. Como, por exemplo, o tema abordado pela assessora técnica do ISPN e representante da Rede Cerrado no Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (CONDRAF), Silvana Bastos: os desafios do Plano Safra para a Agricultura Familiar, principalmente para o Cerrado. Ela lembrou que 77% dos recursos (R$ 180 bilhões na safra 2015/2016) são destinados aos médios e grandes produtores. O restante, 23% (R$ 28,9 bilhões na mesma safra), apesar do avanço registrado ao longo dos anos, é voltado à agricultura familiar. Segundo Bastos, apenas 2,9% dos contratos de créditos para agricultores e agricultoras familiares são acessados pelo Centro-Oeste, que abriga grande parte do Cerrado.

“Mesmo assim, a agricultura familiar corresponde a 74% de um total de 16,5 milhões dos postos de trabalho e é responsável pela maior parte dos alimentos que vão para as mesas dos brasileiros”.

Durante o Seminário, Silvana levantou medidas necessárias para o debate, como a criação de um Plano Safra específico para o Cerrado, fundamental para a ampliação do acesso, integração e adequação de crédito; e a implementação de chamadas específicas de ATER para agroextrativistas, povos indígenas e comunidades tradicionais.“No Brasil, os povos e as comunidades tradicionais são vistos somente nas políticas sociais. E este é um grande desafio: precisamos pensar as políticas de inclusão produtivas para esses povos e comunidades”, salientou.

Outro ponto ainda falho nos programas de governo são as estatísticas sobre o agroextrativismo que invisibilizam a produção artesanal.

“Os dados do IBGE representam apenas uma parte da realidade porque só usam informações oficiais, mas a maior parte da comercialização se dá de forma informal. Se conseguirmos destravar algumas políticas, como as sanitárias, teríamos um agroextrativismo mais valorizado na nossa balança comercial”, pontuou a coordenadora de projetos do ISPN, Isabel Figueiredo.

Isabel ainda destacou a importância de políticas como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) para as dinâmicas de produção da agricultura familiar e dos povos e comunidades tradicionais. “São esses programas que dão o mercado local para esses grupos, viabilizando dignidade e a permanência no campo, inclusive da juventude.” Figueiredo também falou sobre a importância de se garantir espaços de diálogos para as populações tradicionais. “Espaços não só de consultas, mas lugares onde esses grupos possam propor políticas para suas realidades”, observou.

A voz das comunidades e povos tradicionais do Cerrado foi ouvida na última mesa de debates do Seminário. Jonas Gavião levou para a casa do povo em Brasília as demandas de sua gente. Gente essa que, segundo ele, trabalha respeitando o ambiente ao seu redor, entende o ritmo dos rios, das árvores e dos animais e que precisam de incentivos para continuar cumprindo a função de protetores do Cerrado. “Nossa proposta é a criação de um fundo de apoio a projetos para ser acessado pelas populações indígenas do Cerrado de forma simples e desburocratizada”, ressaltou.

 

As mulheres do Cerrado

“No Cerrado, nós mulheres somos as mais ameaçadas, mas somos nós também que mais garantimos a vida de cada organismo no bioma, humano e não humano. Somos a vida e precisamos de segurança”, denunciou a ambientalista e artista plástica, Jane Carreira, em uma das falas de intervenção com os painelistas. Durante o Seminário, ficou claro o papel e a importância das mulheres para a sustentabilidade socioambiental do bioma.

Finalizando o dia de debates, Dona Dijé, coordenadora adjunta do Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu, defendeu o direito à identidade dos povos e das comunidades tradicionais e sua identidade enquanto mulher. Identidade essa que deve ser respeitada para existir a garantia de políticas e a permanência nos territórios tradicionais.

“Eu sou mulher, mulher negra, quebradeira de coco. Eu sou várias. Não me coloco em uma caixa!”, Dona Dijé.

Ela lembrou que a luta dos povos é unificada. “Nossa forma de fazer, de viver e lutar é o que nos une, e nossa luta é pelos territórios. Nós, povos e comunidades tradicionais, queremos nosso território para produzir e perpetuarmos nossas culturas ancestrais, conservando o local onde moramos. Conservando esse Cerrado por meio do seu próprio uso”, concluiu.

 

Construção de carta política para os presidenciáveis

Foto: Méle Dornelas / ISPN

Colocar o Cerrado na pauta do/a próximo/a Presidente da República foi o norte do Seminário Estratégia Nacional para o Cerrado. Como desdobramento, no dia 6, organizações da sociedade civil e de povos e comunidades tradicionais se reuniram em Brasília para pensarem coletivamente uma carta com estratégias e orientações políticas para o Cerrado a partir dos eixos: 1) conservação e proteção do bioma e controle do desmatamento; 2) desenvolvimento rural agroecológico e sustentável e 3) garantia de direitos dos povos indígenas e comunidades tradicionais.

Divididos/as em grupos por eixos, os/as participantes debateram recomendações para o Cerrado. Durante os trabalhos, houve a ênfase na importância do bioma para o equilíbrio ambiental de todo Brasil e, assim, a necessidade em torná-lo patrimônio nacional, junto com a Caatinga, na Constituição Federal. “Para revitalizar o rio São Francisco é preciso investir na proteção de suas nascentes, que ficam justamente no Cerrado. Não há como falar em sustentabilidade ambiental no país sem pautar o Cerrado”, defendeu Isabel Figueiredo, do ISPN.

Diversas prioridades foram levantadas, entre elas estão:

  • Mais créditos para pequenos e médios produtores;
  • Incentivo a pesquisas científicas e inovação tecnológica para a produção sustentável;
  • Fortalecimento do PAA e do PNAE;
  • Colocar a produção dos povos e comunidades tradicionais nas estatísticas do IBGE,
  • Campanhas sobre consumo consciente alinhadas à criação de áreas livres de transgênicos no Cerrado e a implementação do Programa Nacional para Redução do Uso de Agrotóxicos;
  • Barramento da PEC 65, que derruba a licença ambiental para obras;
  • Demarcação dos territórios tradicionais.

Outros pontos estão abordados na carta que segue para revisão e qualificação com organizações da sociedade civil. O documento será entregue às campanhas dos/as presidenciáveis em 2018 e se coloca como instrumento de recomendações e pressão política em prol do bioma.

O seminário e a oficina foram iniciativas das organizações: Institutos Sociedade, População e Natureza (ISPN), Instituto Centro de Vida (ICV), Instituto Socioambiental (ISA), WWF-Brasil, Instituto Internacional de Educação no Brasil (IEB) e Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM).

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