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Tratado dos Cerrados

Aprovado pelas entidades civis participantes do Fórum Global 92, Rio de Janeiro (RJ), em junho de 1992.

PREÂMBULO

1. O domínio dos Cerrados, que corresponde a 25% do território do Brasil, situa-se principalmente nos planaltos centrais do país, abrangendo, total ou parcialmente, os estados de Goiás, Tocantins, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Bahia, Distrito Federal, Maranhão, Piauí, São Paulo e Roraima, além de certas áreas do Nordeste. Enquadra-se na categoria internacional de savanas e, fisionomicamente, possui grande semelhança com as formações desse tipo encontradas em outras regiões do mundo.

2. Os chapadões centrais ocupados pelo cerrado constituem a cumeeira do Brasil e da América do Sul, pois distribuem significativa quantidade da água que alimenta as bacias hidrográficas do continente. Dessa forma, exercem um papel fundamental para a manutenção e equilíbrio dos demais biomas, de tal sorte que o seu comprometimento poderá redundar em profundas alterações para os ecossistemas da Amazônia, do Pantanal, da Mata Atlântica, da Caatinga e da mata de Araucária. Algumas conseqüências disso já podem ser observadas, mas, provavelmente, ainda surgirão outras, que hoje desconhecemos totalmente.

3. Além desse aspecto, há ainda a considerar a enorme biodiversidade dos cerrados que em relação a alguns grupos taxonômicos, é até maior que o da Amazônia.

4. O cerrado serviu como local de assentamento de povos primitivos, contando-se registros de 15.000 anos ou mais, e depois sofreu um processo de colonização que conseguiu, em muitos casos, estabelecer relações de produção relativamente adaptadas às condições ambientais. No entanto, especialmente a partir da década de 1960, passou a sofrer um processo de ocupação intensa, privilegiando os sistemas de grandes propriedades, para a produção pecuária e, mais recentemente, para a produção de culturas de exportação e reflorestamento monocultural.

DIAGNÓSTICO

1. A forma atual de ocupação dos cerrados, realizada sem qualquer consulta ou participação da sociedade no processo, é uma face do modelo de desenvolvimento adotado no Brasil nas últimas décadas. Assenta-se no financiamento subsidiado e incentivos fiscais, na concentração fundiária, na utilização de pacotes tecnológicos, na implantação de infra-estrutura subsidiando o capital e na expulsão das populações rurais pela desestruturação de suas formas de produção.

2. O ecossistema do cerrado, visto como adequado para a expansão das atividades de exploração agropecuária e florestal vem sendo agredido e já destruído em cerca de 75% de sua extensão, principalmente através de:

• Desmatamento indiscriminado de sua vegetação e implantação de maciços homogêneos de eucalipto para a produção de carvão, a fim de abastecer as indústrias siderúrgicas que produzem ferro guza, exportado principalmente para o Japão, e de celuloses;

• Implantação de grandes extensões de pastagens homogêneas e monoculturas de exportação consumidoras de todo pacote tecnológico industrial: corretivos de solo, fertilizantes químicos, herbicidas, pesticidas e maquinaria pesada;

• Instalação de grandes projetos de irrigação com uso intenso e indiscriminado dos recursos hídricos e de energia;

• Instalação de grandes barragens ao longo dos principais cursos d’água, para fins de geração de energia elétrica.

3. Todas essas ações vêm provocando uma série de impactos ambientais e sociais, destacando-se entre eles:

• A redução drástica da enorme a ainda desconhecida biodiversidade existente nos cerrados;

• A degradação dos solos devido principalmente ao uso de maquinaria pesada e produtos químicos que deflagram e aceleram um processo de erosão e esterilização;

• A poluição e contaminação não só dos solos, mas também da água e, consequentemente de todos os animais (inclusive o homem) que dela se servem;

• Assoreamento e diminuição dos recursos hídricos superficiais e subterrâneo em função de todas as formas de desmatamento d cerrado, que devido à sua característica de baixo consumo de água e capacidade de infiltração de seus solos, funciona como uma “esponja” captadora e armazenadora de água. Em consequência é diminuída também a sua grande capacidade de dispersor de águas;

• Intensificação do processo de concentração fundiária com expulsão, migração e empobrecimento dos pequenos agricultores e trabalhadores rurais, gerando novos e insolúveis problemas nos médios e grandes centros urbanos;

• Desagregação das comunidades locais em seus valores culturais, usos, costumes e simbologia.

PLANO DE AÇÃO

Diante de todo este quadro nos propomos a:

1. Desenvolver gestões para a participação das populações locais no planejamento e no estabelecimento da polícia de desenvolvimento.

2. Criar uma rede de ação permanente das ONGs e movimentos sociais das áreas dos cerrados visando uma ação conjunta para a sua defesa e troca de informações.

3. Lutar pela integração das sociedades de todos os países onde ocorrem ecossistemas de cerrados e savanas, para que se amplie o conhecimento e se adotem ações de planejamento, de preservação de desenvolvimento sustentado e de educação ambiental.

4. Trabalhar na mudança da visão cultural institucionalizada de que os cerrados não oferecem recursos para a sobrevivência da humanidade.

5. Propugnar pela realização de estudos para identificar as áreas nativas remanescentes dos cerrados com o objetivo de criar novas unidades de conservação de uso restritivos e de reservas extrativistas e de manejo sustentado.
6. Incentivar ações que visem a implantação paulatina do desenvolvimento sustentável nas áreas dos cerrados, priorizando a pequena e média produções.

7. Lutar pela demarcação e defesa da terra dos grupos indígenas, como base indispensável à existência, reconhecimento, defesa, promoção e bem estar de suas sociedades e de suas culturas.

8. Lutar pela implantação de uma redistribuição de terra e uma política agrícola voltada para o pequeno produtor rural.

9. Criar mecanismos de aproximação permanente com parlamento brasileiro.

10. Pressionar para o bioma dos cerrados seja reconhecido na constituição brasileira como patrimônio nacional, no mesmo status da Amazônia, do Pantanal, da Mata Atlântica e da Zona costeira.

11. Lutar pelo estabelecimento e incremento de programas de reflorestamento com espécies nativas em áreas degradadas e de importância para preservação e recuperação dos recursos hídricos.

12. Pressionar para reorientação dos financiamentos internacionais que vem viabilizando e incentivando a implantação de projetos de ocupação predatória e elitista nos cerrados.